sexta-feira, 7 de março de 2008

Israel não dispõe, na actualidade, de suficientes recursos próprios energéticos, sendo forçado a depender quase exclusivamente de importações que satisfaçam as suas necessidades energéticas dessa estratégica matéria.
Ao pretender aumentar a sua própria participação (especialmente nos combustíveis destinados a produção eléctrica, actualmente dominada por centrais termoeléctricas a carvão), foram considerados diferentes aspectos, donde se destaca a garantia de abastecimento, a manutenção de reservas estratégicas de salvaguarda contra bloqueios de recente memória, capacidade de negociação de preços mais vantajosos, razões de ordem económica de custos e de divisas, e protecção ambiental.
Só no sector constituído pelo gás natural, têm sido apresentadas previsões de evolução de consumo que apontam para a passagem dos 4 bm³ por ano a atingir em 2005, para os 7,6 bm³ em 2015, até chegar aos 11,6 bm³ em 2025.
Uma das possibilidades disponíveis encaradas pelo Governo israelita, consiste na importação de gás do egípcio delta do Nilo e regiões offshore, quer atravessando a península do Sinai, quer via pipeline subaquático percorrendo a costa israelita.
Outra forte possibilidade considerada, surgida nos últimos anos, é a da exploração dos seus próprios recursos, baseada nos depósitos de gás offshore recentemente descobertos.
No que se refere ao gás egípcio, foi criada a East Mediterranean Gas (EMG) com o intuito de explorar esta opção, tendo em consideração a proximidade do pipeline que a ENI (maior produtora de gás no Egipto) tem em construção, partindo dos campos offshore situados ao norte de Port Said, passando pelo Sinai e terminando em El-Arish, próximo da fronteira com a Faixa de Gaza, apenas a 20 km de Israel. Este pipeline pode permitir à Autoridade Palestina obter energia a cerca de metade do preço do que está pagando à Israel Electric Corporation (IEC), de quem é, actualmente, completamente dependente no que respeita aos aprovisionamentos de energia eléctrica.
Entretanto, o Egipto e Israel anunciaram um acordo, no início do corrente ano, pelo qual o Egipto se compromete a fornecer a Israel até ao ano 2012, gás no valor de USD 3 biliões, após a redução verificada durante os últimos meses, devida a razões políticas, especialmente devidas ao ressurgimento do conflito israelo-palestino.
Apesar do acordo firmado, mantêm-se profundas preocupações em Israel, na área da segurança nacional, radicadas na demasiada dependência da energia importada desta única origem, tanto mais, que o Egipto iniciou conversações tendentes à exportação directa de gás para a Jordânia, via Aqaba, sem intervenção israelita. Note-se que, apesar da Jordânia se apresentar como o maior potencial mercado regional para as exportações de gás egípcio, as razões económicas do projecto parecem de evidência questionável.
No que se refere à segunda possibilidade, a de tentar obter recursos próprios, Israel, que tinha iniciado, em 1953, a prospecção de recursos petrolíferos no seu território, conseguiu, em meados de 1999, a descoberta de 18 mb (milhões de barris) de crude e 70 bp³ (biliões de pés cúbicos) de gás, após um esforço constituído por 438 perfurações maioritariamente offshore.
As estimativas iniciais apontam para um total de reservas da ordem dos 3 a 5 tp³ (triliões de pés cúbicos). Apesar de relativamente modestas, se as considerarmos a nível mundial, mostram-se suficientes para satisfazer a procura israelita durante vários anos, libertado-a da obrigatoriedade de se socorrer de importações.

Às quatro reservas descobertas, localizadas a sudeste do sector offshore israelita, deve-se acrescentar a bolsa Or South, de grande dimensão, atravessada pela fronteira das águas territoriais israelitas com as palestinianas da Faixa de Gaza.

Além desta bolsa parcialmente localizada em águas atribuíveis à Autoridade Palestina, foi também aqui encontrada uma outra importante bolsa, a Gaza Marine, com reservas idênticas às encontradas nas águas israelitas. Nesta concessão, em que não participam empresas israelitas, a empresa concessionária associou-se exclusivamente a empresas palestinianas por contrato com duração prevista de 25 anos, considerando que o gás obtido poderá ser transportado por pipeline e entregue no porto israelita de Ashkelon. Esta concessão de extracção, considera a construção da rede de distribuição de gás em território atribuível à Autoridade Palestina. O contrato determina que grande parte do gás extraído, até um máximo de 1,7 bm³ anuais, seja entregue em Ashkelon à IEC, destinado às centrais eléctricas israelitas, tendo em consideração que se trata de centrais do tipo de combustão dual, podendo utilizar, quer carvão como até agora, ou gás natural, como se prevê no futuro.
Apesar de Israel não se poder apresentar como um grande produtor de hidrocarbonetos, a componente criada pelo conflito israelo-árabe pode afectar profundamente o fluxo de petróleo do Médio Oriente. Dada a sua específica localização geográfica, colocado entre a Península Arábica e o Mar Mediterrâneo, Israel apresenta uma alternativa potencial à rota ocidental do petróleo do Golfo Pérsico.
Até agora, estas exportações são realizadas por navios tanqueiros (através do Canal do Suez ou contornando o Cabo africano), por pipeline do Iraque para a Turquia ou pelo pipeline do Sumed (Suez mediterrânico).
A utilização do pipeline transarábico (Tapline), construído em 1940, é considerado o melhor meio de transporte do petróleo saudita para o Ocidente (via Jordânia para o Porto de Haifa, hoje israelita) e disponibiliza outra potencial alternativa económica. Aquando da sua construção, o Tapline fazia parte da Palestina, porém, após estabelecimento do Estado de Israel, o terminal foi mudado de Haifa para o Porto libanês de Sidon, com a consequente alteração do trajecto do pipeline, que passou a atravessar a Síria e o Líbano.
Pelo conflitos operados no Líbano e por razões económicas, as exportações via pipeline Tapline foram suspensas em 1975, passando a servir exclusivamente a Jordânia. Apesar das dificuldades, o Tapline mantêm-se uma rota atractiva para as exportações do Golfo Pérsico para a Europa e para os Estados Unidos, já que os estudos realizados concluem que as exportações de petróleo via Tapline para a Europa, utilizando o porto israelita de Haifa, poderiam custar menos 40 por cento do que sendo realizadas por navios tanqueiros via Canal do Suez.



Destaque:
A fundação do Estado Palestino obriga à definição de fronteira entre Israel e a Faixa de Gaza, com a consequente repartição das reservas offshore de gás natural.


J. Caleia Rodrigues
Diário Económico
Novembro.2001

Os aquíferos das terras altas do West Bank (Cisjordânia) têm evoluído para uma complexa situação sem precedentes no direito e nas relações internacionais.
Não cabe dúvida de que qualquer Acordo entre os compartilhantes dos aquíferos terá que proporcionar respostas adequadas à questão do controle, supervisão da qualidade e repartição da água. A este respeito, Israel só reconheceu o “direito às quantidades de água” e não ao seu controle por parte dos palestinianos.
O compromisso territorial acerca dos aquíferos assume especial importância na determinação das fronteiras a estabelecer entre Israel e o povo palestiniano. Não é certamente por acaso que a maioria dos assentamentos judeus no West Bank se encontram localizados em terrenos do aquífero ocidental. Parece claro que, desde o princípio, os judeus têm tido perfeita consciência do crescente problema dos aquíferos e a sua luta demográfica vem reforçar as reclamações que os israelitas têm vindo a apresentar por água e pelo alargamento da “estreita cintura” israelita na área de Kalkiliya-Tulkarm.
No que respeita às exigências palestinianas sobre o Rio Jordão, Mar da Galiléia e Al Alma, parece pouco credível que Israel as possa vir a considerar. A partir do momento em que as águas do Rio Jordão passaram a ser completamente utilizadas, não há espaço de manobra para negociação de novas entregas. A solução para os problemas dos palestinianos no estimado curto-prazo será por emergência dos territórios do West Bank e a médio-prazo a dessalinização. Recorde-se que no “Acordo Interino Israelo-Palestino para o West Bank e para a Faixa de Gaza”, assinado em 28 de Setembro de 1995, entre o Governo do Estado de Israel e a Autoridade Palestina, afirma-se que “Os dois lados consideram o West Bank e a Faixa de Gaza como uma única unidade territorial, pelo que a sua integridade e estatuto serão preservados durante o período interino”, para, mais adiante, afirmar que “A jurisdição territorial inclui terra, subsolo e águas territoriais, de acordo com o previsto neste Acordo.”,
Este Acordo e a “Declaração de Princípios” são omissos acerca dos direitos palestinianos, totais ou parciais, de acesso à Bacia do sistema do Rio Jordão.
Não podemos deixar de salientar que Israel e a Síria, no que respeita à questão da partilha dos recursos aquíferos, também tomaram posições de difícil conciliação. O mais evidente é que a Síria tem controle directo e indirecto sobre as nascentes Norte do Rio Jordão, incluindo as nascentes Dan que desaguam no Monte Hermon, a secção do Rio Banias (território sírio anterior a 1967) e as nascentes do Rio Hasbani, localizado em território sírio e libanês. Antes de 1967 os Montes Golã pertenciam à Síria (anexados por Israel na Guerra dos Seis Dias) que controlava, efectivamente, a qualidade das águas do Mar da Galiléia, entre outras razões porque o oleoduto saudita atravessa os Montes Golã em direcção a Sidon. Após a anexação dos Montes Golã, os israelitas construíram aí grandes reservatórios que, na eventualidade de evacuação dessa área, passariam para a soberania dos sírios que, pelo facto de terem mantido o controle da secção a montante e a maior parte da bacia do Rio Yarmuk (o maior afluente do Rio Jordão), parte integrante do seu território, estariam aptos a determinar o destino a dar às águas do Rio Jordão, colocado a jusante e, por extensão, a influenciar os fluxos israelitas. No caso de Israel se retirar para as fronteiras pré-Guerra de 1967, desocupando os Montes Golã, a Síria passaria a controlar uma parte muito significativa do Mar da Galiléia. Para além desta situação de dependência, acresce que o Líbano controla os Rios Hasbani e Ayun que drenam para o Rio Jordão, se bem que a descarga do Ayun seja pouco significativa.
Vejamos, então, os pólos de divergência mais difíceis de ultrapassar, como são os relativos às nascentes Norte do Rio Jordão, aos aquíferos dos Montes Golã, às margens do Mar da Galiléia e à bacia do Rio Yarmuk.
No que se refere às nascentes Norte do Rio Jordão, a nascente Dan, mestra das nascentes do Jordão, está situada em território israelita, apenas a pouco mais de 10 metros da fronteira internacional israelo-síria. A origem das suas águas está no Monte Hermon, o que significa que a Síria dispõe de capacidade para bombear as águas junto à nascente ou danificar a sua qualidade. Outra nascente, o Banias, encontra-se em território sírio, a cerca de um quilómetro da mesma fronteira internacional, pelo que a Síria tem reclamado a sua completa utilização. O Rio Hasbani marca fronteira entre a Síria e o Líbano e, em certos pontos do seu percurso, entre a Síria, o Líbano e Israel, tendo originado um enclave sírio que penetra, do lado oeste dos Montes Golã, no Hasbani. Deste modo, a Síria apresenta-se como parceiro único neste rio e nalgumas outras das suas nascentes (p. ex. na nascente Al Wazzani).
Na eventualidade de Israel regressar às fronteiras existentes antes da Guerra dos Seis Dias, a Síria assumiria completo controle dos Rios Banias e Hasbani e, indirectamente, do Dan. Neste caso, a Síria recuperaria o controle sobre todos os afluentes do Rio Jordão, com o risco agravado da ocorrência de danos na mais importante origem de água de Israel, em caso de poluição. Um Acordo de Paz israelo-sírio que ponha em ordem o conjunto das situações expostas, também obrigaria à revisão do traçado do oleoduto saudita que atravessa a região, já que qualquer acidente no oleoduto poderia ser catastrófico para as águas do Mar da Galiléia. De acordo com a fronteira indicada nos mapas de 1921-22, o curso do Rio Jordão, entre os Montes Golã e Israel, está localizado em Israel. Porém, de acordo com as linhas de fronteira de 1967, os sírios tornar-se-iam parceiros por inteiro, nessa área do Rio Jordão.
Quanto ao Mar da Galiléia, em caso de acordo, a Síria regressaria às suas margens, qualquer que seja a versão escolhida para traçado de fronteira internacional. Na de 1921-22, fica a cerca de 10 metros da linha da margem e, de acordo com as outras duas versões, a Síria tornar-se-ia parceiro por inteiro do Mar da Galiléia e reclamaria direitos territoriais sobre ele como, aliás, ocorreu durante a década de 1960. Em qualquer caso não seria possível inspeccionar as actividades sírias no Mar da Galiléia e, consequentemente, o Mar da Galiléia tornar-se-ia internacional com todas as implicações inerentes a essa nova situação.
O caso do Rio Yarmuk parece mais claro: a Síria detêm a chave do regime da água na Jordânia. Facto que, do ponto de vista de Israel, comporta sérias implicações geopolíticas, já que a Jordânia se tem mostrado, em várias ocasiões, muito sensível a pressões sírias.
Deve-se salientar que o lado israelita tem manifestado vontade de sair dos Montes Golã, parcial ou totalmente, em troca de garantia de paz entre Israel e a Síria. Porém, recorde-se que, em caso de decisão de saída total dos Montes Golã, aumentará o debate acerca da linha para a qual Israel deve recuar. No Tratado de Paz com a Jordânia e com o Egipto, a fronteira internacional foi a acordada entre as Partes, para cada um dos casos. No que respeita ao traçado da fronteira israelo-síria existem várias demarcações da fronteira internacional, em resultado da conflituosa história das relações entre as duas regiões. Recorde-se que foi fixada uma fronteira internacional, em 1923, entre a zona controlada pelos franceses na Síria e a controlada pelos ingleses na Palestina. Posteriormente, em 1949, foram estabelecidas linhas de cessar-fogo entre Israel e a Síria, incluindo zonas desmilitarizadas, bem definidas, em território israelita. Por fim, a fronteira que existia nas vésperas da Guerra dos Seis Dias (5 a 10 de Junho de 1967) quando Israel anexou os Montes Golã, estava desmarcada pelos inumeráveis incidentes fronteiriços, durante os quais a Síria tomou vantagem da sua superioridade topográfica e denteou a linha de fronteira.
O traçado de fronteira tem, como vimos, enormes repercussões nas questões relacionadas com a soberania sobre as águas disponíveis. Ou melhor, a soberania sobre as águas disponíveis tem condicionado o traçado das fronteiras, duradouras e estáveis, entre os países envolventes da Bacia do Rio Jordão.


Destaque:
A soberania sobre as águas disponíveis tem condicionado o traçado das fronteiras, duradouras e estáveis, entre os países envolventes da Bacia do Rio Jordão.

J. Caleia Rodrigues
Diário Económico
Outubro
.2001

A explosão demográfica aliada à exigência de perpetuação dos altos níveis de vida conseguidos nos países ricos e à pretensão de os atingir, reclamada pelos países pobres, introduziram aberrantes pressões no fornecimento estabilizado e continuado dos recursos naturais à escala mundial. Estas pressões provêm tanto da privação como das dimensões ecológicas do drama populacional, igualmente importantes na nossa concepção do mundo como população global. Todas as análises concluem que a utilização dos recursos naturais aumentaram de forma exponencial, salientando que, em muitas regiões e referido a grande parte dos recursos disponíveis e indispensáveis à manutenção do conjunto humano, está aumentando em ritmo superior ao aumento populacional. Recorde-se que, enquanto a população mundial aumentou três vezes e meia desde 1890, a energia industrial consumida per capita, apesar de desigualmente repartida, aumentou mais de sete vezes durante o mesmo período e a energia total consumida a nível mundial aumentou quase catorze vezes.
De entre os mais importantes recursos, frequentemente negligenciado dado que não se encontra enquadrado entre os classificados como estritamente não-renováveis, encontra-se a água. Apenas 2,53 por cento dos recursos aquíferos totais mundiais é potável e, para mais, a sua maioria encontra-se em gelo permanente (0,86 por cento) ou em glaciares e em neve permanente (68,7 por cento). Desde logo concluímos que, a nível do planeta, apenas podemos dispor de 0,76 por cento da água potável total disponível na ecosfera, seja em rios, lagos, águas no solo e na vegetação e em vapor de água na atmosfera. Tão reduzido recurso é crescentemente solicitado para consumo humano, indústria e produção alimentar, exigindo-se não só a sua disponibilidade mas também em adequada qualidade que permita a sua utilização em alimentação e em serviços de higiene doméstica. Enquanto a desalinização se tem desenvolvido em países que a pode instalar, a qualidade da água potável está sendo ameaçada por um vasto conjunto de poluentes provocados pelos humanos, desde esgotos domésticos a dejectos industriais, passando pelos químicos da indústria mineira e da agricultura.
Muitos dos países em desenvolvimento submetidos ao rápido processo da industrialização, confrontam-se com a panóplia de novos constrangimentos, neste caso devidos à poluição tóxica - eutrofização, metais pesados, acidificação, poluentes orgânicos persistentes - ao mesmo tempo que continuam lutando contra as tradicionais dificuldades resultantes da escassez de água nos seus territórios e da falta de eficazes serviços de saneamento básico. A ameaça representada pela poluição é particularmente séria quando afecta as águas subterrâneas, onde a contaminação é lentamente regenerada e os sistemas de purificação muito onerosos. Porém, exigem-se grandes quantidades de água para o início de novas explorações agrícolas, irrigação de antigos territórios, manutenção dos terrenos em actividade e suporte da “revolução verde” em áreas superpovoadas. Note-se que os peritos na matéria afirmam que são necessários entre 270 e 1.000 litros de água para produzir 5 quilos de cereal e 11.000 a 27.000 litros para produzir 5 quilos de carne. A fabricação de 1 tonelada de aço requer 300.000 litros e 1 automóvel 450.000 litros.
Começa-se, normalmente, por analisar o aumento populacional, mas grande parte dos analistas dão maior significado ao consumo de energia, que denominam de “recurso-mestre”, dado que, dispondo de suficiente energia, todos os outros recursos podem ser extraídos ou obtidos por outros meios, quer por processamento, substituição por outros equivalentes ou mesmo por reciclagem. Aumentar a produção de alimentos ou despoluir o ar e a água, exige o consumo de grande quantidade de energia. O desenvolvimento económico e o aumento do bem-estar nacional estão intimamente ligados à utilização da energia; consequentemente, os países pobres requererão mais energia para atingir os estádios de desenvolvimento desejáveis do que os países considerados desenvolvidos ou industrializados.
Conclui-se que estamos perante a emergência de um ciclo vicioso: a taxa de natalidade tende a reduzir-se e a estabilizar em países economicamente desenvolvidos, ao mesmo tempo que, para que o nível de bem-estar se mantenha, é requerido mais energia e mais água. Por outro lado, em regiões economicamente menos desenvolvidas, o acréscimo de população aumenta a procura que rapidamente absorve a totalidade do adicional de energia e de riqueza conseguidas, consumidas na pura manutenção do nível corrente, exigindo-se, portanto, enormes quantidade de energia para a atingir um acréscimo de desenvolvimento económico e de bem-estar.
O consumo de energia tem vindo a decrescer ligeiramente desde o início da década de 1980, em parte devido a medidas efectivas de conservação (especialmente na Europa e no Japão) mas também consequência do abrandamento do desenvolvimento económico verificado desde então. Dado que este último parâmetro, por razões óbvias, não se eternizará, e conscientes da possibilidade de novos choques petrolíferos em termos de acentuado agravamento dos preços de mercado e da imposição de reduções de fornecimento, será imprescindível encontrar novas fontes e novas vias de conservação de energia.
A delapidação dos recursos globais é, porém, excessivamente desigual. A distribuição dos recursos naturais vitais não é equitativa e razoável. Globalmente, as disponibilidades são abundantes, porém, apresentam-se desigualmente distribuídas desigualmente entre países e povos, mesmo dentro das suas próprias fronteiras políticas, estas raramente coincidentes com as suas fronteiras naturais. Enquanto o aumento do conjunto populacional do mundo economicamente menos desenvolvido induz consumo de recursos é, porém, nos países economicamente desenvolvidos que se verifica maior delapidação. Os actuais padrões de produção e de distribuição vigentes nos países ditos industrializados, muito provavelmente não poderão continuar a ser mantidos por muito mais tempo e a tendência para a imitação por parte dos restantes, irá causar irreparáveis desastres ecológicos.
As estratégias a implementar a curto e a médio prazo obrigarão, inevitavelmente, à vivência de um longo e difícil período de transição. Transformações básicas poderão ter que ser implementadas na utilização dos recursos, aumento da população e substituição dos recursos exauridos, simultaneamente com mudanças a introduzir a nível dos usos e costumes, quer sejam em base individual, de grupo, empresarial, social, regional ou até mesmo a nível global do sistema internacional.
Nesta matéria de evidente importância estratégica, ambas as correntes – realista e globalista – são praticamente concordantes, apesar dos antagonismos que evidenciam relativamente às vias a utilizar e aos objectivos a atingir.
Basta, para tanto, recordar que o realismo considera o Estado como principal e unitário protagonista que, de forma racional, procura maximizar os seus próprios interesses ou objectivos nacionais em política externa, defendendo que as matérias referentes à segurança nacional são as mais importantes, enquanto que para o globalismo, as classes, os Estados, as sociedades e os protagonistas não estatais actuam como parte do sistema económico internacional. Nestes, os factores económicos são os mais importantes, sendo as relações internacionais vistas através da perspectiva histórica, muito especialmente o desenvolvimento contínuo da economia internacional, com objectivos colocados em modelos de domínio, dentro e entre sociedades. Desde logo, a discussão do realismo foca os conceitos de poder e o equilíbrio do poder, enquanto que o globalismo acentua o conceito de dependência no contexto da economia mundial.
O conflito em análise interessa aos defensores da corrente realista na medida em que focam a sua atenção nos actuais ou potenciais conflitos entre Estados-protagonistas, examinando como se mantém, como se quebra ou como se atinge a estabilidade internacional, a utilização da força como meio de resolver as disputas e a prevenção da violação da integridade territorial. Porém, interessa sobremaneira os defensores da corrente globalista, dado que enfatizam a crítica importância dos factores económicos quando se trata de explicar a dinâmica do sistema internacional.
Desta forma, a luta pela água e pelos recursos energéticos no Médio Oriente é seguida com especial atenção, tanto por uns como por outros. Para os realistas porque se trata da segurança e da independência e soberania nacionais, e para os globalistas porque se trata de evidente condicionamento ao desenvolvimento económico.
Caso exemplar surge-nos na actuação de defesa de interesses no Médio Oriente onde não têm sido regateados esforços despendidos por alguns Estados, para garantia de fornecimento de produtos estratégicos e de protecção das suas empresas. Basta atentar que o envolvimento dos Estados Unidos na região do Golfo Pérsico, na tentativa de assegurar “preços razoáveis”, custava, ao Pentágono, entre USD30 e USD60 mil milhões cada ano (dependendo da situação), a título de defesa do Golfo, para protecção e garantia de importações do equivalente a apenas USD30 mil milhões de petróleo bruto. Por simples operação aritmética, deduz-se que, quando os Estados Unidos pagavam USD25 por barril de petróleo, como, aliás, todos os outros países importadores do produto, despendiam, cumulativamente, outro tanto, em defesa (ou mais USD50 se a situação assim o exigisse). Mais recentemente, só o custo estimado da mobilização militar dos Estados Unidos para o Golfo, durante a confrontação com o Iraque, em Novembro de 1998, atingiu os USD1,25 mil milhões.
Já anteriormente, em 23 de Dezembro de 1971, os Estados Unidos tinham assinado com o Bahrein, um Acordo relativo à utilização da Base de Jufair (onde tinham estacionado, desde 1949, uma esquadra com valor militar simbólico), cujas instalações partilhavam, até então, com a Grã-Bretanha, no qual se contemplava que (1) o pessoal americano autorizado a permanecer em terra não podia exceder as 250 pessoas e (2) a esquadra americana disporia do seu próprio centro de telecomunicações e do Aeroporto Internacional de Manama para as suas necessidades logísticas. Este Acordo foi denunciado pelo Bahrein após a Guerra de Outubro de 1973 (Guerra do Yom Kippur) e a presença da esquadra americana terminou em 30 de Junho de 1977. De seguida, em 25 de Agosto de 1977, o Presidente Carter (alterando a estratégia nixoniana da acção indirecta), ordenou a criação de várias unidades ligeiras para eventuais intervenções de comandos no Terceiro Mundo, para, em Abril de 1979, o General Rogers anunciar a existência de um Plano visando a formação de uma “força unilateral” de 100.000 homens, nesta mesma perspectiva.
O Presidente Carter, já tinha declarado perante uma Sessão conjunta do Congresso americano que, qualquer tentativa de força externa, pelo controle da região do Golfo Pérsico, seria vista como ataque aos interesses vitais dos Estados Unidos. A Doutrina Carter explicitava que o Médio Oriente continuava a ser vital para as democracias industriais.
Torna-se claro que as grandes potências têm defendido por todos os meios colocados ao seu alcance, os interesses das suas empresas actuantes neste sector estratégico, reunidas em tão ou mais homogéneo cartel do que o constituído pelos países produtores e exportadores. Pelo seu lado, estes têm tentado rentabilizar o seu produto finito e tirar dele dividendos não só financeiros como políticos.


J. Caleia Rodrigues

Diário Económico
Setembro.2001

Combustíveis estratégicos

A retirada israelita da Faixa de Gaza – A quem pertencerá o gás natural?

A Faixa de Gaza é constituída por apenas 352 km², dos quais 120 km² são irrigados a partir dos aquíferos próprios, o que permite o rápido desenvolvimento do seu sector agrícola, sobretudo no que se refere à produção de citrinos. Também dispõe de 40 km de costa mediterrânica, predisposta à pesca, desde e quando possa aceder à completa e total soberania das suas águas territoriais. Porém, não é na disponibilidade de recursos desta natureza que reside a interrogação: Quem e por que forma, acederá aos depósitos de gás natural offshore, existentes nessas águas territoriais? A Autoridade palestina ou o Estado de Israel?
Isto porque, o Estado de Israel não dispõe de suficientes recursos energéticos próprios, sendo forçado a depender quase exclusivamente de importações que satisfaçam as suas necessidades energéticas dessa estratégica matéria, indispensável à sua defesa, ao seu desenvolvimento económico sustentado e ao bem-estar da sua peculiar população.
Ao pretender aumentar a sua autonomia, especialmente no que se refere aos combustíveis destinados a produção eléctrica, actualmente dominada por centrais termoeléctricas a carvão, foram considerados diferentes aspectos, donde se destaca a garantia de abastecimento, a manutenção de reservas estratégicas de salvaguarda contra bloqueios de recente memória, capacidade de negociação de preços mais vantajosos, razões de ordem económica de custos e de divisas, e protecção ambiental.
Só no sector constituído pelo gás natural, têm sido apresentadas previsões de evolução de consumo que apontam para a passagem dos 4 bm³ por ano a atingir em 2005, para os 7,6 bm³ em 2015, até chegar aos 11,6 bm³ em 2025.
Uma das possibilidades disponíveis encaradas pelo Governo israelita, consiste na importação de gás do egípcio delta do Nilo e regiões offshore, quer atravessando a península do Sinai, quer via pipeline subaquático percorrendo a costa israelita.
Outra forte possibilidade considerada, surgida nos últimos anos, reside na hipótese de exploração dos seus próprios recursos, a partir dos depósitos de gás offshore recentemente descobertos.
No que se refere a esta segunda e mais desejada possibilidade, a de tentar utilizar recursos próprios, Israel, que tinha iniciado em 1953, a prospecção de recursos petrolíferos no seu território, conseguiu em meados de 1999 e após um esforço constituído por 438 perfurações maioritariamente offshore, a descoberta de 70 bp³ (biliões de pés cúbicos) de gás, além de uma pequena bolsa de 18 mb (milhões de barris) de crude.
As estimativas iniciais apontaram para um total de reservas da ordem dos 3 a 5 tp³ (triliões de pés cúbicos) degás natural.
Apesar de relativamente modestas, mostram-se suficientes para satisfazer a procura israelita durante vários anos, libertado-a da dependênciada da obrigação de recurso às importações e da inerente instabilidade do mercado.
Às quatro reservas descobertas, localizadas a sudeste do sector offshore israelita, deve-se acrescentar a bolsa Or South, de grande dimensão, atravessada pela fronteira das águas territoriais israelitas com as palestinianas da Faixa de Gaza.
Além desta bolsa parcialmente localizada em águas atribuíveis à Autoridade Palestina, foi também aqui encontrada uma outra importante bolsa, a Gaza Marine, com reservas idênticas às encontradas nas águas israelitas. Nesta concessão, em que não participam empresas israelitas, a empresa concessionária associou-se exclusivamente a empresas palestinianas por contrato com duração prevista de 25 anos, considerando que o gás obtido poderá ser transportado por pipeline e entregue no porto israelita de Ashkelon (13 km a Norte da Faixa de Gaza). Esta concessão de extracção, considera a construção da rede de distribuição de gás em território atribuível à Autoridade Palestina. O contrato determina que grande parte do gás extraído, até um máximo de 1,7 bm³ anuais, seja entregue em Ashkelon à IEC, destinado às centrais eléctricas israelitas, tendo em consideração que se trata de centrais do tipo de combustão dual, podendo utilizar, quer carvão como até agora, quer gás natural, como se prevê no futuro.
Por um lado, os grandes depósitos de gás natural estão localizados em águas territoriais da Faixa de Gaza. Por outro, os israelitas procuram, desesperadamente, libertar-se da excessiva dependência do reduzido leque de fornecedores de produtos petrolíferos que lhes limitam os movimentos políticos. Difícil atingir uma plataforma de entendimento que satisfaça ambas as partes em confronto.


Destaque:

Quem acederá aos depósitos de gás natural da Faixa de Gaza?.


J: Caleia Rodrigues
Diário Económico
Outubro.2004

quinta-feira, 6 de março de 2008



Após termos assistido ao lançamento da globalização da economia e até da cultura, parece ter chegado a vez da globalização da instabilidade.
Para tanto, muito tem contribuído o mercado do petróleo bruto.
Saliente-se que o volume médio transaccionado diariamente no mundo atingiu, em 2003, os 45,8 milhões de barris de petróleo bruto, o que corresponde, em valores actuais, a cerca de 1,8 biliões de dólares.
Vernon Smith, Professor Universitário de Economia e Direito na George Mason University, Prémio Nobel 2002, foi particularmente enfático na sua intervenção no Seminário “Iraqi oil revenues” realizado em 22.Jan.2004 no United States Institute of Peace, ao chamar “devil´s lifeblood” às receitas dos países produtores oriundas das suas explorações petrolíferas.
Porém, os consumidores dependentes desta estratégica matéria-prima, essencial ao desenvolvimento da economia e ao bem estar das populações, têm sido incapazes de lidar com a ameaça de descontinuidade prolongada do seu abastecimento, causada por uma qualquer guerra, revolução ou embargo, quando diferentes crises regionais ocorrem em simultâneo.
A desesperada procura de outros pólos abastecedores que prometessem maior garantia de continuidade de abastecimento, deparou-se com enormes constrangimentos em países política e economicamente instáveis, como Nigéria ou Venezuela.
Conseguiu-se reagir, mais ou menos satisfatoriamente, ao embargo que se seguiu à Guerra do Yom Kippur (1973) e consequente primeiro choque petrolífero, e ao segundo choque provocado pela ruptura da indústria iraniana de 1979. Porém, foi a partir de 1991, com a disrupção originada pela Guerra do Golfo, que o mercado mundial se alterou dramaticamente.
Recorde-se que, entre este período e a actual intervenção das forças multinacionais no Iraque, os Estados Unidos despendiam entre 30 e 60 mil milhões de dólares por ano (dependendo da situação), a título de defesa do Golfo, para protecção e garantia de importações do equivalente a apenas 30 mil milhões de dólares de petróleo bruto. Só o custo estimado da mobilização militar dos Estados Unidos para o Golfo, durante a confrontação com o Iraque, em Novembro de 1998, atingiu os USD1,25 mil milhões. Esta situação tornou-se no mais recente caso paradigmático de cooperação entre o poder político-militar e o económico.
Contudo, nem as Reservas Estratégicas, cuidadosamente instaladas após o primeiro choque, nem os esforços diplomáticos desenvolvidos desde então, foram capazes de proporcionar condições mínimas que permitissem lidar com situações colocadas simultaneamente em diferentes arenas e envolvendo diferentes actores, incluindo manobras especulativas, escassez de capacidade de refinação do petróleo bruto, aumento explosivo da procura chinesa ou a persistente insegurança no Médio Oriente.





Destaques:

Após termos assistido ao lançamento da globalização da economia e até da cultura, parece ter chegado a vez da globalização da instabilidade.


J. Caleia Rodrigues
Revista Actualidade (CCILE)
Janeiro.2005


Com os seus 1.300 milhões de habitantes e um explosivo crescimento económico, a China tornou-se no segundo maior importador e consumidor mundial de petróleo, logo a seguir aos Estados Unidos.
Ao atingir este patamar de consumo, teve que envidar os maiores esforços no sentido de encontrar novos fornecedores no mercado externo que lhe consigam assegurar a manutenção do ritmo evolutivo da sua economia que se expandiu à exorbitante taxa anual de 9,7 por cento no primeiro semestre do corrente ano.
O consumo de petróleo na China entrou, de facto, numa espiral de crescimento e a escassez deste produto converteu-se na maior barreira à continuidade do seu desenvolvimento económico. Os responsáveis chineses têm anunciado que temem que o seu saldo negativo em petróleo bruto possa vir a atingir os 250 milhões de toneladas anuais em 2020, dado que produção interna não poderá garantir mais que os 44 por cento da procura interna perspectivada.
Relembre-se que o seu consumo de petróleo atingiu as 252,3 mm tons em 2003, correspondente ao valor médio diário de cerca de 5,1 milhões de barris. Porém, o que se torna preocupante para o mercado petrolífero global é que se espera que chegue a atingir um consumo de 6,19 milhões de barris/dia ainda este ano, dos quais cerca de um terço será importado, de acordo com as projecções da US International Energy Agency.
Este inusitado aumento de consumo obrigou a um consequente aumento das importações, que se espera, de acordo com os dados fornecidos pelo Ministro do Comércio da China, irão atingir as 110 mm tons ainda este ano, correspondendo a um aumento superior aos 21 po cento, em relação ao ano passado. O valor das importações de petróleo, realizadas em 2003, cifrou-se em 91,12 mm tons, avaliadas em USD 5,86 biliões.
Neste particular, a Rússia surge como o quarto maior fornecedor de petróleo à China, apenas antecedida pelo Irão, Arábia Saudita e Omã, seus grandes parceiros nesta estratégica matéria.
A posição russa neste leque de fornecedores deve vir a tornar-se ainda mais importante, dado que existe a intenção de instalar um novo oleoduto sino-russo, a partir da Sibéria Oriental, direccionado a Nakhodka, contemplando uma derivação capaz de transportar 30 mm tons anualmente para a chinesa Daging e 50 mm tons para o porto marítimo de Perevoznaya.
Além dos importantes acordos estabelecidos com a Arábia Saudita e com o Irão, a petrolífera chinesa Sinopec (China Petroleum & Chemical Corporation) assegurou nova joint-venture, no passado mês de Março, com a saudita Aramco, para exploração de um bloco de 23.612 milhas quadradas, garantindo a obtenção de mais 2.800 barris diários a partir dos cinco furos contratados.
Na sua procura de novos fornecedores, a China assinou, recentemente, acordos com o Kazaquistão (novo oleoduto com 914 km de extensão), com a Síria (novo campo petrolífero), com o Turquemenistão (reconstrução de poços petrolíferos) e com o Kyrgistão (desenvolvimento de campos petrolíferos a grandes profundidades).
De salientar o acordo de partenariato estabelecido, no passado mês de Junho, entre a chinesa Sinopec e a brasileira Petrobras, para e exploração de campos petrolíferos em território chinês, dando início a um significativo estreitamento das relações políticas e económicas entre os dois países. Deste modo, a Sinopec torna-se na primeira empresa asiática a assinar um acordo com a Petrobras, garantindo, pelo seu lado, o investimento de USD 5 biliões em infraestruturas e logística do sector energético brasileiro.
Porém, será a implementação do oleoduto sino-russo que tem vindo a ser negociado desde há anos, que se irá tornar em mais do que um símbolo entre os dois países, dado que pode jogar um duplo e importante papel: proporcionar à China o lançamento da sua base industrial no nordeste e permitir à Rússia o desenvolvimento da sua região mais oriental. Esta via tem-se debatido com a reacção de vários quadrantes políticos russos que não vêm com bons olhos o futuro do poder e do crescimento económico deste seu vizinho e com a concorrência do dependente Japão que tem envidado os maiores esforços na obtenção de um oleoduto alternativo a partir da mesma região russa, apresentando completa disponibilidade para investimento e financiamento dos campos petrolíferos da Sibéria oriental, qualquer coisa como 7,54 biliões de dólares.




Destaques:

Com os seus 1.300 milhões de habitantes e um explosivo crescimento económico, a China tornou-se no segundo maior importador e consumidor mundial de petróleo.

O consumo de petróleo na China entrou numa espiral de crescimento e a escassês deste produto converteu-se na maior barreira à continuidade do seu desenvolvimento económico.

Porém, o que se torna preocupante para o mercado petrolífero global, é que se espera que a China chegue a atingir um consumo de 6,19 milhões de barris/dia ainda este ano, dos quais cerca de um terço será importado.


J. Caleia Rodrigues
Revista Actualidade (CCILE)
Setembro/Outubro.2004


Comecemos por sublinhar que a União Europeia, dispondo apenas de 6,5 por cento da população mundial, produz mais de 25 por cento do PIB total mundial e assegura 35,5 por cento das exportações e 34 por cento das importações registadas à escala mundial.
Contudo, é por demais conhecida a sua dependência no que se refere a combustíveis. O consumo do conjunto dos países-membros da União Europeia ultrapassa largamente a produção, dado que consomem 5 vezes mais petróleo do que produzem, o dobro do gás natural e 1,8 vezes mais carvão.

Ver Quadro 1

Podem considerar-se excepções, a confortável situação do Reino Unido e da Dinamarca, excedentários, quer em petróleo bruto quer em gás natural, e a recém-chegada Polónia com o seu carvão.
Ressalve-se que o problema não está na produção ou em dificuldades tecnológicas ou financeiras, como em tantos outros casos. As reservas comprovadas da União Europeia são escassas, correspondendo apenas a 0,5 por cento das totais mundiais em petróleo bruto, a 1,7 de gás natural e a 9,5 de carvão.
O “European Energy and Transport Trends to 2030” (Jan. 2003) é categórico ao afirmar que a produção atingirá o seu máximo cerca do ano 2005, a partir do qual a produção irá decrescer, sobretudo à escala dos combustíveis fósseis (especialmente carvão e petróleo e o gás do Mar do Norte) e do progressivo abandono da utilização da energia nuclear. Este declínio não será compensado pela rápida expansão da produção de energias renováveis, apesar destas se irem tornar na segunda maior fonte própria, logo a seguir ao nuclear, cerca do ano 2030.
Assim, e de acordo com o estudo em referência, as importações de combustíveis fósseis irão aumentar cerca de 2/3 entre 2000 e 2030, assumindo as importações de gás natural a grande responsabilidade do aumento. No que se refere ao petróleo, prevê-se o aumento de ¼ no decurso do mesmo período.
Em consequência, a conjugação do aumento da procura com o decréscimo da produção própria aumentará a dependência da importação de energia que poderá passar dos 50 por cento atingidos no ano 2000, para os 68 por cento em 2030. Nesta situação, a dependência do petróleo importado irá aumentar dos 75 por cento registados no ano 2000, para os 90 por cento em 2030. No que se refere ao gás natural e aos combustíveis sólidos, a dependência aumentará ainda mais rapidamente, a partir dos 45 por cento em gás natural e dos 50 por cento em combustíveis sólidos, até atingir os 80 por cento em 2030.

Ver Qadro 2

A recente adesão da Polónia à União melhorou ligeiramente a situação de dependência em que esta se encontra, dado que é detentora de consideráveis reservas comprovadas de carvão, na ordem dos 22 biliões de toneladas equivalentes de petróleo (2,25 por cento do total mundial) e, actualmente, produtora de 70 milhões de toneladas anuais.
A Comissão da União Europeia, ao fazer o ponto da situação em matéria de política energética e dos instrumentos disponíveis para aplicação desta política, já tinha salientado, em comunicado datado de 23 de Abril de 1997, os desafios estratégicos a que a União deveria fazer face, nomeadamente "garantir a segurança de abastecimento energético gerindo a crescente dependência externa da União neste sector".
Nesta linha de orientação, o relatório final sobre o “Livro Verde”, publicado pela Comissão das Comunidades Europeias em 26 de Junho de 2002, e intitulado “Para uma estratégia europeia de segurança do aprovisionamento energético”, enfatizou a necessidade de encontrar uma fonte externa diversificada de fornecimento de energia que garantisse um fluxo ininterrupto de gás.
No “Livro Verde” propõe-se uma estratégia clara, centrada no controlo da procura. O Livro tem o mérito de sublinhar que a margem de manobra da União, no que respeita à oferta de energia, é muito limitada, sobretudo devido à escassez de recursos próprios. “Convém, pois, agir no campo da procura (inflecti-la e orientá-la), contrariamente aos Estados Unidos, que, no seu plano energético, anunciado em Maio de 2001, pretendem responder à procura através de uma maior oferta”, pode ler-se no Relatório.
Nesta linha de preocupações, a Comissão decidiu considerar as interligações da rede de gás natural existentes, Turquia-Grécia e Grécia-Itália, como projecto prioritário da rede “Países do Mar Cáspio - Médio Oriente - União Europeia”.
Deste modo, a União Europeia pretendeu garantir a segurança de abastecimento de produtos energéticos através de projectos de cooperação a estabelecer com as três maiores artérias e da criação de uma nova rota que passa pela Turquia, por interligação com as redes de gás natural turca e grega. Nesta perspectiva, o projecto do Corredor energético Este-Oeste, concebido para permitir transportar os recursos do Cáucaso e da Ásia Central para os mercados ocidentais, pode vir a constituir uma rota alternativa que aumente a segurança e garanta continuidade do abastecimento. O projecto foi desenvolvido tendo em atenção a descoberta das formações localizadas na região euro-asiática, baseando-se, fundamentalmente, na instalação dos pipelines de petróleo e de gás nas rotas transcáspicas e transcaucasianas, constituídas pelo oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan (BTC), pelo gasoduto sul-caucasiano Baku-Tbilisi-Erzurum (BTE) e pelo projectado gasoduto Turquemenistão-Turquia-Europa. (ver “Actualidad” Nº 82, Maio-Junho2004)
Mais recentemente, a Vice-Presidente da Comissão Europeia e Comissária de Transportes e Energia, Loyola de Palacio, denunciou que, a exagerada dependência externa da União Europeia em hidrocarbonetos, constitui um considerável risco para as economias europeias.
A nova abordagem proposta no “Livro Verde” em relação às reservas de petróleo, suscitou igualmente um amplo debate. A proposta do “Livro Verde”, a favor de reservas estratégicas de petróleo, teve por objectivo garantir uma maior solidariedade entre os Estados-membros em tempo de crise. As incertezas geopolíticas e a volatilidade dos preços do petróleo obrigam a uma melhor organização das reservas e à coordenação da sua utilização. Do mesmo modo, foi discutida a necessidade de constituir reservas estratégicas de gás.
Tendo em consideração a garantia de abastecimento exigível para esta estratégica matéria, a Comissão Europeia adoptou, em 12.Setembro.2002, duas propostas de directiva para que os Quinze realizem uma gestão comum das reservas estratégicas de petróleo e de gás e para equipararem os stocks do crude em todos os Estados Membros, alargando a capacidade de auto-suficiência para o consumo de 90 a 120 dias (a média europeia actual é de 114 dias), equivalente à exigência de uma reserva global de cerca de 1.600 milhões de barris (quase o triplo da existente nos Estados Unidos). A elaboração das propostas começou após a crise de Setembro 2000, quando a cotação do barril atingiu os 34 dólares. A nova escalada de preços e a previsível campanha militar dos Estados Unidos no Iraque, aceleraram a apresentação das duas propostas.
Portugal contribuiu, de forma muito significativa, para o reforço das reservas estratégicas, ao decidir implementar o projecto que disponibilizou em Sines a mais moderna e inovadora tecnologia existente na Península Ibérica para armazenagem de gás natural (LPG): cavernas subterrâneas, cavadas na rocha a grande profundidade.
A caverna para armazenamento de propano foi construída no local logisticamente ideal: exactamente junto do trajecto do pipeway entre o Porto de Sines e a refinaria. Fisicamente as cavidades configuram-se como três galerias paralelas interligadas entre si em dois pontos distintos, cada uma delas com comprimentos da ordem dos 160 metros, e secções médias de 163 m². A sua capacidade total útil de armazenagem é de cerca de 84.000 m³, correspondente a cerca de 40 esferas da maior dimensão autorizada para armazenamento deste produto pela via tradicional. Todo o equipamento está instalado num poço vertical de 164 metros (130 metros abaixo do nível do mar), contando com um túnel de cerca de 1 km de extensão em espiral a partir da superfície com uma inclinação máxima de 15%, que permite atingir a cota da caverna.






Destaques:

“O consumo do conjunto dos países-membros da União Europeia ultrapassa largamente a produção, dado que consomem 5 vezes mais petróleo do que produzem, o dobro do gás natural e 1,8 vezes mais carvão.”

“A exagerada dependência externa da União Europeia em hidrocarbonetos constitui um considerável risco para as economias europeias.”

“As incertezas geopolíticas e a volatilidade dos preços do petróleo obrigam a uma melhor organização das reservas estratégicas e à coordenação da sua utilização.”

“Portugal contribuiu, de forma muito significativa, para o reforço das reservas estratégicas da União.”


J. Caleia Rodrigues
Revista Actualidade (CCILE)
Julho/Agosto.2004


É indiscutível que o petróleo assumiu a posição de matéria-prima essencial ao desenvolvimento económico das nações e ao bem-estar das populações, nomeadamente em países que basearam o desenvolvimento da sua economia numa produção industrial exigente de grandes recursos energéticos, dado que a descontinuidade da sua obtenção tem demonstrado provocar crises políticas e sociais de muito difícil contorno, ameaçadoras da segurança social, chegando a poder atingir a própria soberania das nações,
Os analistas do sector têm salientado que, após o 11 de Setembro, assistiu-se a uma crescente preocupação acerca da dependência dos fornecimentos oriundos do Médio Oriente, nomeadamente da Arábia Saudita, grande pilar do mercado mundial, responsável por cerca de 20 por cento do volume total transaccionado.
A estabilidade saudita tem sido conseguida à custa da forte liderança do Rei Fahd bin Abdul Aziz que, ao herdar de seu pai Saud ibn Abdul Aziz (que proclamou o Reino da Arábia Saudita em 1932) a liderança religiosa (anteriormente em mãos da família hashemita de Meca que entregou o poder aos otomanos que por sua vez o entregou ao Rei saudita Faisal), também herdou o poder económico radicado na gestão dos contratos petrolíferos dos seus quase 300 biliões de barris de petróleo de reservas comprovadas e da exportação de mais de 9 milhões de barris diários que, por seu turno, lhe asseguram a liderança incontestada da OPEP.
Este encadeado poder, obriga a reflectir nas hipóteses de sucessão dessa musculada liderança, a exigir fundamentalmente estabilidade política na região que garanta e assegure a continuidade de fornecimento aos consumidores dependentes.
Nesta vertente, verifica-se o enorme e ainda não suficientemente discutido risco para a segurança energética global, económico e geopolítico, da profunda dependência asiática do petróleo do Médio Oriente e da sua vulnerabilidade a qualquer descontinuidade de abastecimento.
Actuando num mercado global petrolífero, o surgimento de uma escassez numa dada região, pode conduzir a um pico de preços generalizado e evidenciar a existência de uma bolha na estratégia da segurança energética, polarizado na Ásia.
A região Ásia-Pacífico, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos ou na Europa, importa quase todo o seu contingente petrolífero do Médio Oriente. Dado que os países da região Ásia-Pacífico não dispõem de sistema de resposta colectiva nem de reservas estratégicas suficientes, em caso da ocorrência de interrupção de fornecimento, quer motivada por guerra, por embargo ou mesmo consequente de alteração política a ocorrer no Médio Oriente, os Estados Unidos e a International Energy Agency (IEA) terão que gerir a crise dentro das suas capacidades e disponibilidades.
Na ocorrência de uma situação de crise, grande parte de países consumidores que não disponham de reservas estratégicas, como a China ou a Índia, terão que competir no mercado mundial, pagando um prémio demasiado elevado, por escassos fornecimentos ou assumir a incapacidade de obter suficientes produtos petrolíferos indispensáveis aos seus consumidores. Perante o quadro de uma séria interrupção de fornecimento, as economias da região Ásia-Pacífico poderão sofrer um impacto de enormes proporções. Para colmatar tal situação, os recursos disponíveis teriam que ser partilhados com os países dessa região (excluindo o Japão e a Coreia que já são membros da IEA), assumindo todas as consequências que adviessem da medida adoptada.
Os Estados Unidos começaram a considerar a necessidade de uma reserva nacional de petróleo há mais de cinco décadas, mais precisamente logo após o fim da Segunda Grande Guerra Mundial.
Se bem que os Estados Unidos tenham dado um importante passo no sentido de aumentar a sua segurança na área dos recursos energéticos, com a implementação da Stategic Petroleum Reserve (SPR), garantida inteiramente à custa dos seus próprios recursos, a medida não se afigura suficiente para garantir uma interrupção de longa duração, um importante choque de preços ou uma alta falha no mercado.
A decisão foi tomada pelo Presidente Gerald Ford, no período que se seguiu ao embargo de 1973-74, com a assinatura do “Energy Policy and Conservation Act” em Dezembro de 1975, que estabeleceu a “Strategic Petroleum Reserve”. A legislação declara ser política dos Estados Unidos, estabelecer uma reserva até ao limite máximo de 1 bilião de barris de petróleo bruto.
O Golfo do México foi o local escolhido para o armazenamento da reserva, dado que é nessa área, ao longo da Costa, que se encontram situados mais de 500 bancos profundos de sal de mina e localizadas grande parte das refinarias, pipelines e pontos de carga de tanqueiros. O Governo dos Estados Unidos adquiriu cerca de 50 cavernas de sal existentes na zona, a maioria das quais nas Costas do Texas e da Louisiana, destinadas a esse armazenamento estratégico.
Actualmente, a “Strategic Petroleum Reserve” dos Estados Unidos, com uma capacidade declarada de armazenamento de 700 milhões de barris de petróleo bruto, contêm 571 milhões de barris, dizendo-se constituir a maior reserva do mundo, avaliada em mais de USD20 biliões.
Na região em que nos encontramos e tendo em consideração a garantia exigível para esta estratégica matéria, a Comissão Europeia adoptou, em 12 de Setembro de 2002, duas propostas de directiva para que os Quinze realizassem uma gestão comum das reservas estratégicas de petróleo e de gás e para que equiparassem os stocks de crude em todos os Estados Membros, alargando a capacidade de auto-suficiência para o consumo de 90 a 120 dias (a média europeia é de 114 dias), equivalente à exigência de uma reserva global de cerca de 1.600 milhões de barris (quase o triplo da existente nos Estados Unidos).
Tão importante ou mais do que as reservas estratégicas, foi a capilaridade que se foi desenvolvendo no mercado, que actualmente disponibiliza novos abastecimentos oriundos de diversas regiões, assegurando um leque de opções que tornou o mercado mais seguro e credível. E sobretudo aliviador do pesadelo que se viveu em várias ocasiões de boicote.
Veja-se a instalação do Corredor energético Este-Oeste, concebido para permitir transportar os imensos recursos disponíveis no Cáucaso e na Ásia Central para os mercados ocidentais. Neste caso, a garantia de abastecimento vai assentar nos pipelines de petróleo e de gás das rotas trans-cáspicas e trans-caucasianas, oriundas de Bakú e do Turquemenistao, atravessando a Turquia e a descarregar no mediterrâneo.
A Rússia que já está competindo com a Arábia Saudita pela liderança de abastecimento do mercado à escala mundial, anunciou a pretensão de instalar alternativas a esta rota. A recente descoberta de importante campo petrolífero na margem ocidental dos Urais, contendo reservas estimadas em cerca de 40 biliões de barris de petróleo bruto, permite-lhe abastecer, tanto o Ocidente como o Extremo Oriente. Os responsáveis pelo projecto, pretendem produzir a partir deste campo, cerca de 450.000 barris diários, passando a desempenhar o papel de grande exportador, dado que dispõe de boas vias de escoamento e de exportação, a partir de portos que podem atingir fácil, rápida e seguramente os mercados ocidentais.
Também o Kasaquistão pretende aumentar a sua capacidade produtiva até aos 3 milhões de barris diários num período não superior a 15 anos, de forma a posicionar-se entre os três maiores exportadores mundiais. Para tanto, tem em curso o projecto de ampliação do oleoduto de 1.510 km que acaba de inaugurar para obter um acesso economicamente rentável aos mercados consumidores das regiões da Ásia e do Pacífico, via Golfo Pérsico.
Outro importante polo alternativo é o constituído pela Venezuela que tem desempenhado um indiscutível papel no mercado energético mundial, logo na geopolítica do petróleo, graças às reservas de hidrocarbonetos detectadas, que atingem os 77,8 biliões de barris de petróleo e os 147,6 triliões de pés cúbicos de gás natural. Estes números verdadeiramente impressionantes, colocam a Venezuela em 6º e 7º lugares à escala mundial, relativamente a reservas comprovadas de petróleo e de gás natural.
Note-se que, de acordo com dados divulgados pela empresa venezuelana do sector petrolífero, as regiões Oriental e de Maracaibo concentram 60 por cento do total de hidrocarbonetos do planeta, atingindo o valor estimado de 221 biliões de barris de petróleo bruto, entre as quantidades estimadas de leve, pesado e extra-pesado.
Porém, o levantamento dos depósitos mundiais comprovados e disponíveis para colocação no mercado internacional, têm sido omissos no que se refere aos depósitos de betuminosos, posto que são considerados hidrocarbonetos não-petróleo. Este facto tem beneficiado a Venezuela dado que não os incluiu na quota de petróleo admitida pela OPEP.
Logo, os 1,2 triliões de barris de petróleo bruto extra-pesado e de betumes estimados disponíveis na Faixa do Orinoco (correspondentes a 42 biliões de toneladas métricas), podem ser explorados comercialmente e exportados emulsionados. O produto acabado, que representa uma alternativa ambiental e económica, consiste numa mistura de, aproximadamente, 70% de betume natural e 30% de água, a que são agregados aditivos não enxofrantes, para estabilizar a emulsão. Este combustível é particularmente adequado a empresas eléctricas e industriais, nomeadamente cimentarias.

Ver Quadro 1

Noutro continente e de acordo com o relatório do US National Security Committee, verifica-se que os países africanos ao sul do Sahara já são responsáveis por 16 por cento das importações americanas de petróleo, esperando-se que possam vir a atingir os 25 por cento em 2015, graças às descobertas off-shore na África Ocidental e à construção do oleoduto que ligará o sul do Tchad aos portos atlânticos.
Dos 8 biliões de barris de reservas provadas, descobertas durante o ano 2001, cerca de 7 biliões estão localizados no Golfo da Guiné, dos quais 4 biliões em águas territoriais partilhadas entre São Tomé e a Nigéria.. Neste mesmo ano, a região atingiu a produção de 4,5 milhões de barris/dia. Lembre-se que a Rússia está a produzir actualmente 7,6 milhões de barris/dia e a Arábia Saudita um pouco mais de 9 milhões.
O petróleo africano apresenta a vantagem acrescida da maior facilidade de transporte, (apenas a um dia de viagem dos Estados Unidos) em relação ao do Golfo Pérsico ou ao do Mar Cáspio. Ademais, o petróleo do Golfo da Guiné contem baixo teor de enxofre e parece muito fácil de converter em combustível para motores de explosão.
De acordo com a Petroleum Finance Company, espera-se que a Nigéria venha a aumentar a sua produção até atingir, em 2007, os 3 milhões de barris/dia, enquanto Angola projecta duplicar até atingir os 2 milhões e o Tchad poderá atingir os 225.000 b/d, quando o oleoduto que atravessa os Camarões estiver concluído em 2004 (custo estimado em USD 3,5 biliões). A produção da Guiné Equatorial também poderá duplicar nos próximos três anos, até atingir os 350.000 b/d.

Ver Quadro 2


Não há sombra de dúvida que a crescente necessidade de recursos energéticos para satisfação do desenvolvimento económico sustentado, continuará a exigir os maiores esforços para a sua regular obtenção.
As regiões industrializadas, nomeadamente os Estados Unidos, a Europa Ocidental e o Japão, encontram-se na posição de dependência da importação desta estratégica matéria, só suficientemente disponível em regiões não industrializadas ou em vias de desenvolvimento industrial, como seja o Médio Oriente, a Rússia Oriental, a África Ocidental ou Setentrional, ou mesmo o norte da América Latina.
Não esquecendo que a China, com os seus 25 por cento da população mundial e uma das maiores taxas de desenvolvimento económico conseguido nos últimos anos, apesar dos seus importantes recursos próprios em gás natural, também depende das importações de petróleo bruto para a continuidade do desenvolvimento.

J. Caleia Rodrigues
Revista Actualidade (CCILE)
Maio/Junho.2004

Petróleo
Liderança russa em vários tabuleiros


A Rússia que já detém a liderança do mercado do gás natural, com os seus 578 biliões de metros cúbicos produzidos no passado ano de 2003 (dos quais exporta mais de 128 biliões de metros cúbicos), o que corresponde a cerca de 22 por cento do total mundial transaccionado, está em vias de conseguir idêntica posição no mercado do petróleo bruto.
Com uma produção média de 8,5 milhões de barris diários alcançada durante o ano de 2003, admite-se que possa vir a atingir, a muito curto prazo, valores cerca dos 10 milhões de barris diários, passando a dominar o mercado mundial. Este previsível desvio do eixo de poder, alterará substancialmente todo o espectro geopolítico que se tem vivido desde o primeiro choque petrolífero que se seguiu à Guera do Yom Kippur.
Após ter estabilizado a sua quota no mercado ocidental, ao igualar o volume das exportações sauditas, concentrou os seus objectivos nos ávidos mercados do Sudeste Asiático.
Estes mercados, nomeadamente o Japão e a China, segundo e terceiro maiores consumidores à escala mundial e fortemente dependentes dos fornecimentos do politicamente instável Médio Oriente, estão na mira dos maiores exportadores mundiais.
Ambos os países debatem-se com forte carência energética, mercê de recursos próprios incapazes de satisfazer as taxas de desenvolvimento económico pretendido, com um passado recente de busca de recursos energéticos que, inclusivamente, já os arrastaram para conflitos de grandes proporções.
Na tentativa de diversificação de fornecedores que lhes possam garantir estabilidade de abastecimento, encontram-se em aberta concorrência à instalação de oleodutos que lhes permitam acesso aos vastos campos petrolíferos da Sibéria Oriental, cujos depósitos estão avaliados em mais de 10 biliões de barris, dos quais se pode vir a extrair um mínimo de 1 milhão de barris diários. Saliente-se que, de acordo com as estimativas anunciadas pelas empresas petroleiras russas, as reservas ainda não provadas da Bacia Siberiana Ocidental ascendem a mais de 170 biliões de barris.
O Governo russo, pelo seu lado, tem manifestado a opinião de que o oleoduto de exportação do petróleo da Sibéria Oriental deve ser dirigido, inicialmente ao Daqing chinês, mantendo em consideração que a sua extensão até ao Porto do Extremo Oriente russo de Nakhodka dependerá, essencialmente, da prospecção e exploração das regiões siberianas e do Extremo Oriente.
Aparentemente, foi tomada a decisão da construção da “Linha Angarsk-Daqing”. A menos que surja mais algum acidente de percurso que possa vir a alterar a decisão, espera-se que os 2.400 km de oleoduto transnacional entre Angarsk (região russa de Irkutsk) a oeste do Lago Baykal e a Daking chinesa, possam vir a ter rápido e imediato início.
Se por um lado, a concretização dos contratos e Acordos estabelecidos e a estabelecer entre a Rússia e a China e o Japão e, eventualmente entre a Rússia e a Índia e o Paquistão, vai colocar a Rússia numa posição de forte e incontestável liderança do mercado abastecedor de petróleo, por outro, vai proporcionar a estes mercados consumidores/importadores todos os ingredientes necessários e suficientes para a continuidade sustentada do seu desenvolvimento económico. Muito especialmente à China, que continua a apresentar taxas de crescimento notáveis e ímpares à escala mundial. Situação a cair na esfera política, muito provavelmente capaz da introdução de grandes alterações ao nível da balança de poder.



Destaques:

A Rússia encontra-se em vias de assumir a liderança do mercado mundial do petróleo.

Este previsível desvio do eixo de poder, alterará substancialmente todo o espectro geopolítico que se tem vivido desde o primeiro choque petrolífero que se seguiu à Guera do Yom Kippur.

Situação a cair na esfera política, muito provavelmente capaz da introdução de grandes alterações ao nível da balança de poder.


J. Caleia Rodrigues
Revista Actualidade (CCILE)
Março/Abril.2004

terça-feira, 4 de março de 2008


Em que medida a subida do preço do petróleo nos últimos dois anos não é mais um choque petrolífero, como aqueles verificados em 1973 ou 1979-80?

O petróleo já sobe desde 1998, há seis anos. De 1998 para 2000, o preço duplicou. De 2000 para 2004, subiu mais de 60 por cento. Do meu ponto de vista não estamos a atravessar uma crise como a de 1973, uma vez que, por definição, as crises são passageiras. Não podemos falar de uma crise porque não há uma rotura de abastecimento do mercado, este está a ser perfeitamente abastecido. No sector do petróleo existem, sim, constrangimentos fortíssimos, que podem e vão ser ultrapassados. O mercado é que tem factores exógenos que provocam todas estas variações. O petróleo, porque é um produto estratégico, está sujeito à pressão de vários factores, nomeadamente geopolíticos. Hoje, por exemplo, porque pode vir a acontecer um conflito entre dois países [Estados Unidos da América e Irão], o mercado entrou numa situação de pânico. Se só há constrangimentos no sector, se o petróleo continua a fluir, se o custo de transporte por oleoduto não está indexado à procura (é um custo fixo), se nada disso acontece os preços subiram por medo daquilo que possa vir a acontecer, não por razões ligadas ao sector.

Mas estes acontecimentos exteriores têm um grande impacto porque, do lado da oferta, o mercado percebe que o sector está muito pressionado...

Sim, o sector está muito apertado devido a vários constrangimentos, mas o petróleo bruto convencional ou petróleo leve [mais fácil de extrair e refinar] não está em extinção, embora as reservas estejam a diminuir substancialmente. Desde a Pensilvânia e Baku [locais das primeiras descobertas de petróleo, nos EUA e no Cazaquistão respectivamente], ou seja, nos últimos 125 anos, consumiu-se um trilião de barris. Nos próximos 35 anos vamos consumir outro trilião de barris, até à extinção. De reservas comprovadas temos petróleo convencional por mais 50 a 60 anos.

Quais são esses “constrangimentos” que pressionam o sector?

Como constrangimentos temos um longo período de muito baixo investimento, em novas descobertas, em extracção, em transporte e, sobretudo, em refinação. Só para inventariação de uma nova concessão, com ensaios sísmicos, já se gastam uns milhões de dólares. A extracção é feita muitas vezes em regiões sem segurança o que obriga as empresas petrolíferas a fazer a sua própria segurança. Depois, temos o pouco investimento em transporte. Um oleoduto tem custos por quilómetro equivalentes a uma auto-estrada, são biliões de dólares para transportar o petróleo por milhares de quilómetros. Por fim, há fortíssimos constrangimentos na refinação. Mesmo que queira aumentar a entrega de petróleo ao mercado, a capacidade de refinação instalada está hoje muito próxima da entrega total ao mercado, funcionando como um estrangulamento. Enquanto em 1982 estava a produzir à volta de 60 milhões de barris diários e tinha uma capacidade instalada no mundo para 80 milhões, hoje a produção chegou perto dos 80 milhões e a capacidade não aumentou. Temos, assim, constrangimentos do lado da oferta e, por outro lado, uma procura incessante.

O que é que explica esta ausência de investimento na capacidade de refinação?

Na refinação há dois tipos de causas, o ambiente e (?...). Mas, o factor principal é o ambiente. Hoje, para instalar uma refinaria no mundo as coisas são complexas. Em 1982, os Estados Unidos tinham cerca de 320 refinarias, hoje têm 150, têm menos produção. E as refinarias existentes estão no limite da sua capacidade, logo não podem suportar aumentos de produção.

Faz parte do grupo dos pessimistas que advogam a teoria do apocalipse com o esgotamento do petróleo, conhecida por “peak oil”?

Sou contra. Porque é um exercício matemático muito interessante e apenas isso. Pode prever-se um esgotamento em 50 anos do petróleo leve, que até poderá esgotar-se em 30 ou 35 anos, mas temos ainda o recurso ao petróleo pesado, que será inesgotável por umas centenas de anos. Por outro lado, em aplicações em que não sejam absolutamente exigíveis os combustíveis fósseis, nós podemos ter recurso a electricidade a partir de outras fontes energéticas. O “peak oil” é um exercício de pessimismo alarmista.

Enquanto cartel, a OPEP mantém o seu poder de mercado intacto, mesmo com a emergência de novos países produtores à margem da organização, como a Rússia?

A OPEP ainda produz 50 e tal milhões de barris diários e as reservas comprovadas darão para quase 70 anos. Mas, precisam de grandes investimentos para conseguir mais produção. A OPEP não tem hoje a força que tinha não só porque a Rússia entrou no mercado com muita força, mas porque, quando falamos de OPEP, estamos a falar de petróleo leve. Pelo lado do petróleo pesado é que as coisas irão mudar. As reservas russas em petróleo leve e a Venezuela e o Canadá no petróleo pesado serão os players do futuro e é com esses que tem que se contar. Na Venezuela já estão as principais petrolíferas mundiais.

Mas esse é o petróleo pesado, é mais caro de extrair e de refinar...

Quando digo que a Venezuela será um player do futuro é porque a faixa do rio Orinoco, que tem uma dimensão à volta de dois terços do nosso país, tem reservas imensas. A extracção é mais cara porque exige injecção de vapor de água, o que na situação da Venezuela é o melhor que lhe poderia ter acontecido. Primeiro porque tem no rio Orinoco água com fartura. Depois, porque tem a mega-barragem do Guri, com energia eléctrica que chega e sobra, de origem gratuita, para injectar o vapor e vender o seu petróleo. Está na melhor posição do mundo para, no futuro, para dominar o mercado. À medida que o tempo passa, o petróleo leve terá dificuldades e cada vez mais o pesado irá ser utilizado. Mas, não será nunca uma alternativa mais barata. A alternativa com um método de extracção mais caro não irá fazer baixar o preço, irá sim continuar a fazê-lo subir. É essa a tendência de longo prazo.

As inovações tecnológicas na indústria petrolífera, ao nível da extracção e produção de combustíveis, poderão suavizar o declínio das reservas petrolíferas hoje conhecidas?

O consumo de petróleo divide-se em 60 por cento para transportes e 40 por cento para produção de energia eléctrica e para a indústria. O que tem vindo a ser feito em termos de inovação é trabalhar nos 40 por cento, uma vez que a produção de energia eléctrica pode ser feita sem recurso ao petróleo. Mas, a extracção do petróleo leve é cada vez mais cara e traz problemas ambientais. O Árctico é hoje um grande depósito de petróleo, mas a extracção, que já está a ser feita, tem riscos ambientais e custos elevados. A questão é que não devemos tocar no Árctico. Só a circulação de veículos já é suficiente para causar danos ambientais, dizem os ambientalistas. A calote de gelo do Árctico era de 3,10 m de espessura média há trinta e poucos anos e está nos 1,9 m. É uma zona muito sensível.

Para produção de electricidade, a energia nuclear é uma hipótese...

Pode ser nuclear ou eólica. A nuclear tem os seus riscos, mas nós temos na Europa Ocidental 146 reactores. Só na Bélgica há sete, a França tem 59, o Reino Unido tem 31, a Alemanha tem 19 e a Espanha tem nove. É uma alternativa possível. A eólica é aquela pela qual os portugueses enveredaram e, quanto a mim, muito bem, para reduzir o peso do petróleo na produção de electricidade. Pelos números que me chegaram, nós duplicamos num ano a capacidade eólica instalada, estando hoje Portugal classificado em 11º no ranking mundial, com a Alemanha e a Espanha à cabeça. É por aí que podemos trabalhar para reduzir a dependência nos 40 por cento de petróleo consumidos “extra transportes”.

Portugal tem andado desatento em termos de política energética? Que razões encontra para a ausência de uma estratégia nacional nos últimos anos num sector tão importante como o da energia?

Andámos adormecidos a pensar noutras coisas. Quando nós temos um produto de que dispomos e supomos que não há problema com ele, distraímo-nos. Mas deveríamos ter estado atentos ao choque petrolífero de 1973. Pela leitura do que nos aconteceu nessa altura, com o embargo, as coisas poderiam ter sido tratadas de outra maneira, com mais atenção. Eu estive em missão na África do Sul e tive ocasião de constatar como este país resolveu a sua situação de dependência. Em 1973, ainda tinham o Irão como aliado, uma vez que o xá Reza Pahlevi era muito amigo dos sul-africanos e continuava a abastecê-los. Porém, mesmo antes de 73, a África do Sul já havia previsto que alguma perturbação poderia acontecer e optaram por uma alternativa. Como dispunham de quantidades de carvão enormes, adoptaram um sistema para sintetização do carvão e produção de combustíveis sintéticos, para agregar à gasolina. Em qualquer altura têm o país salvo com esse recurso e, na crise de 1979, foi isso mesmo que aconteceu. Eles seguiram por este rumo e outros decidiram de outra forma, pelo nuclear. Nós, por outro lado, não temos pensado muito nisso. E isto são problemas que se resolvem apenas a longo prazo, os resultados não são imediatos. Se fizer agora investimento no que quer que seja, só daqui a 15 anos é que vai ter o resultado. O que estamos a fazer nas eólicas é óptimo. A produção de energia eléctrica através da energia eólica em Portugal em 1995 era zero e, em 2004, já representava cinco por cento. Prefiro a eólica à solar é porque pela eólica nós podemos produzir grandes quantidades de electricidade, enquanto a solar nos permite abastecer casa a casa. A produção de energia hídrica é que baixou. Nós temos sol, temos vento, temos água e cada país deve recorrer ao que tem. Usar os recursos dos outros... podemos pagar, mas ficamos muito dependentes.

A China e a Índia são realmente os “maus da fita”, responsáveis pelo aumento cada vez maior da procura de petróleo?

A China e a Índia representam mais de metade da população mundial e são países com quem se deve ter um bom relacionamento. Não são os “maus da fita”, trata-se apenas de estratégias económicas e geopolíticas. Os EUA consomem cerca de um quarto do petróleo mundial e importam dois terços do que consomem. No meu ponto de vista, o fiel da balança de poder está a desviar-se para o eixo Sino-Russo. Enquanto os russos e os chineses se olhavam de lado, a China desenvolveu-se pelos seus próprios meios. Mas hoje, para continuar o seu desenvolvimento económico, a China tem um défice de cerca de três milhões de barris diários. A negociação para o abastecimento à China e ao Japão (com a Índia as coisas ainda não estão completamente resolvidas) levou 12 anos a ser concluída. Em Janeiro deste ano, o presidente Putin garantiu um oleoduto à China, com um desvio para o mar do Japão. Abastece a China e o Japão, cumprindo a quase totalidade das necessidades chinesas e uma parte mais pequena das japonesas. Graças à Rússia, a China tem hoje todas as condições necessárias para garantir o desenvolvimento económico continuado. Este novo eixo está a sobrepor-se, em interesse, aos países ditos industrializados, que estão a ser relegados para segundo plano.

O que explica uma das chamadas de capa do seu livro, segundo a qual “China e Rússia estão a esmagar o orgulho ocidental”...

A Rússia tem uma capacidade instalada que lhe permite aumentar a produção, ao contrário da Arábia Saudita que tem a capacidade de extracção esgotada (só com novos investimentos é que pode aumentar a produção). O grande desequilíbrio quando falava em Rússia e EUA é que os EUA importam mais de nove milhões de barris diários, enquanto a Rússia exporta quatro milhões, sem ter ainda começado a fornecer à China. Quando dizemos que os EUA importam diariamente nove milhões de barris, estamos a falar de 630 milhões de dólares diários. Em contrapartida a Rússia exporta 300 milhões de dólares diários. Além disso, a extracção suplementar de petróleo para a China e para o Japão, assim como os oleodutos, são financiados pelo Japão e pela China, com pouco investimento russo. Os americanos, por outro lado, para garantir o fornecimento ainda têm que pagar a segurança. Ou seja, os custos para os EUA e os benefícios para a Rússia e China têm todos os ingredientes para que a balança de poder se altere, não pela força mas pela economia.

Como vê a cada vez maior influência, em termos energéticos, da Rússia sobre a União Europeia (UE)?

A União Europeia não tem uma política comum. No mosaico de países que constituem a Europa Ocidental, cada um tem o seu problema para resolver. A Grã-Bretanha é auto-suficiente e exporta, assim como a Dinamarca, a Noruega (que é o terceiro produtor mundial). Estes três países estão muito bem. Quando a Rússia fizer alguma pressão serão eventualmente os alemães, que pretendiam um abastecimento russo directo, os mais prejudicados. Nas outras áreas, cada um vai fazendo o que pode. O problema não é global na Europa, cada um tem o seu problema. Uns têm petróleo, outros resolveram por outra via e outros não fizeram coisa nenhuma e esses estão com mais dificuldades.

Tendo em conta que a energia passou a ser uma questão de segurança nacional, e que os EUA já discutem a criação de uma “proto-NATO” para a energia, não é de estranhar o silêncio da União Europeia sobre este assunto?

As discussões no seio da UE são uma coisa muito complexa. Em 2004, a UE produziu 2,5 milhões e consumiu 14,5 milhões e meio – teve 12 milhões barris diários de défice. Em gás natural tiveram 255 biliões de metros cúbicos de gás. Mas, nestes números, tem a Dinamarca e o Reino Unido sem problemas. Cada um tem as suas vantagens e dificuldades específicas e vai ser difícil chegar a acordo por causa disso, é uma área muito sensível. Os EUA são estados unidos, criaram-se com várias guerras, entenderam-se e têm um governo central que fala por eles. A UE é um convénio, entenderam prescindir de alguma soberania e conseguir um mercado comum. Depois, os EUA podem ter muito mais urgência que os europeus para agir desta forma, porque importam cerca de 24 por cento da quota mundial de petróleo. Eles têm um problema efectivo, o problema deles é grave. Não só pelo que têm que pagar pelas importações, mas também porque são quem paga pela segurança do abastecimento.

Para caixa:

Qual será a factura a pagar por Portugal?
As coisas não se resolvem num ano. Tem sido feitos investimentos em concessões, quer na petrolífera nacional, quer na outra privada. Nós há quatro anos pagámos metade do que pagámos este ano, pela mesma quantidade. Em 2002, 2,2 milhões de euros e em 2005 quase quatro mil milhões de euros por ano. São vários TGV’s cada ano. E são os consumidores que vão pagar. Quem investe tem de ser remunerado e é por aí, pelo lado do consumidor, que será remunerado.

Numa das chamadas de capa do seu livro lê-se “Reveja o seu Modo de Vida”. Em que medida o aumento do preço do petróleo vai obrigar a essa revisão dos hábitos de consumo?
A educação, a indução de informação leva algum tempo. Quando os preços dos produtos atingem determinados níveis que nós não podemos pagar, nós engendramos uma forma de resolver a situação. A dificuldade desenvolve o génio. Quando falamos de energia e falamos numa alternativa, os transportes públicos podem ser com energia de origem eléctrica (metro e comboios). Agora, o que fazer, como orientar, são coisas de sociologia. Eu aí só posso pensar o que faria. A nossa estrutura de vida está com pessoas a viverem a 50 ou 60 quilómetros do local de trabalho. Vai ser difícil manter uma situação dessas. Vai ser penoso.


"Portugal poderá não conseguir suportar os custos do petróleo"

Porque o que assistimos hoje, sem olhar para a questão geopolítica, é a uma tendência para o esgotamento das reservas petrolíferas existentes no mundo e a um disparar do consumo, sobretudo nas economias emergentes.

Portanto, não há nenhuma crise. É uma situação estrutural que vai continuar. Além disso, houve um largo período em que não se fizeram grandes investimentos na área petrolífera, quer na área da refinação, que não cresceu sobretudo por problemas ambientais, quer em novas descobertas petrolíferas e no transporte, ou seja, em novos oleodutos. É preciso ver que há países que não exportam porque não têm um pipeline. Agora, para acompanhar o consumo, a indústria petrolífera vai precisar de fazer investimentos fabulosos e os consumidores vão pagá-los. Os preços nunca mais irão sofrer descidas significativas. Irão subir gradualmente e sem limite. Até porque quem tem recursos petrolíferos vai jogar com eles. E há os que querem vender o mais rapidamente possível, como é o caso de África. E outros, como a Arábia Saudita, que não têm pressas. Não. Isso não quer dizer que deixemos de ter petróleo nos próximos séculos. Quer dizer é que iremos pagá-lo bem caro. A barreira dos 100 dólares por barril poderá ser atingida muito rapidamente [na quinta-feira, o petróleo ultrapassou 70 dólares o barril, um novo recorde, por causa do agravar das tensões como Irão]. E quer dizer também que a Rússia e a Arábia Saudita, actuais líderes do mercado do petróleo bruto, vão ver os seus lugares ocupados no futuro pela Venezuela e pelo Canadá, que têm o petróleo pesado.
Do petróleo disponível no mundo, 30% é petróleo convencional, ou seja, o que consumimos hoje; 15% é petróleo pesado e 55% extrapesado. E a fatia de 15% está localizada, sobretudo, na Venezuela e no Canadá. Só que a extracção deste petróleo é muito mais cara. Na África ainda há algum petróleo por explorar, nomeadamente em Angola, Nigéria e São Tomé e Príncipe. É uma zona muito importante em termos estratégico para os EUA, porque está a 24 horas de barco. Mas as reservas existentes em África durarão mais umas décadas, enquanto o petróleo pesado do Canadá e da Venezuela dá para mais 200 anos. Depois, ainda há o petróleo leve do Árctico, mas a sua eventual exploração acarreta vários problemas, desde os ambientais aos técnicos. Num futuro próximo, os grandes players serão a Arábia Saudita e a Rússia, e depois a Venezuela e o Canadá. Nós não temos grandes recursos energéticos e temos uma economia débil, por isso devemos ter cautelas redobradas. Por um lado, porque estamos mais vulneráveis a um bloqueio nos fornecimentos, não tendo alternativas e uma elevada dependência do petróleo, e, por outro, porque podemos vir a não ter dinheiro para suportar o preço a que se vai chegar. O que me parece que aconteceu em Portugal foi que não houve investimento em áreas alternativas, nem tão-pouco na participação em blocos para garantir não só fornecimentos ao País mas também para ter mais-valias que nos permitissem compensar com ganhos do próprio petróleo os custos que vamos ter de suportar com ele.
Não. A UE não tem uma política comum em relação ao petróleo.
Mais de metade da sua vida profissional foi feita como gestor em empresas industriais em Portugal, Angola e Venezuela. Nestes dois últimos países, teve os primeiros contactos com o mundo do petróleo e os seus problemas. Mas foi como diplomata em Israel e na África do Sul que percebeu como se pode viver menos dependente dele. A experiência e o conhecimento levou-o a escrever em 2000 A Geopolítica do Petróleo, o primeiro livro sobre o assunto. Amanhã lança o segundo, Petróleo: Qual Crise?. Porque em sua opinião não há uma crise do petróleo, há problemas estruturais que vão fazer com que os preços subam "gradualmente, sem limite".
[17-04-2006] [ Ana Tomás Ribeiro, Diário de Notícias (on-line) ]

José Caleia Rodrigues: O medo está a controlar os preços do petróleo

Com o barril de petróleo a subir acima dos 70 dólares, ouve-se frequentemente a palavra "crise", para descrever o panorama energético actual.

Para José Caleia Rodrigues, autor de dois livros sobre as questões do petróleo - um facto assinalável no mercado editorial português -, a palavra "crise" é mal utilizada. O problema em torno do preço do petróleo e da dependência das economias industrializadas prende-se com questões estruturais, e não de carácter passageiro, facto que justifica o título do seu último livro "Petróleo, Qual Crise?", publicado no mês passado. Vários constrangimentos no sector petrolífero, aliados à incessante procura do "ouro negro", estão na origem da subida dos preços, uma tendência que se irá manter e que ameaça alterar o equilíbrio geopolítico mundial. Os investimentos necessários no sector e o maior custo de extracção e de refinação irão repercutir-se no bolso dos consumidores. Para Portugal, muito dependente desta fonte energética e altamente ineficiente no seu consumo, os custos são muito elevados e impõem uma grande mudança em duas vertentes: para o Governo, no desenvolvimento da aposta em outras fontes de energia (como tem vindo já a suceder na eólica); para os consumidores, na revisão dos seus hábitos e modo de vida.
Em que medida a subida do preço do petróleo nos últimos dois anos não é mais um choque petrolífero, como o que se verificaram em 1973 ou 1979-80?
O petróleo voltou a subir desmesuradamente desde 1998, há seis anos. De 1998 para 2000, o preço duplicou. De 2000 para 2004, subiu mais de 60 por cento. Do meu ponto de vista não estamos a atravessar uma crise como a de 1973, uma vez que, por definição, as crises são passageiras. Por outro lado, devemos separar o sector do petróleo do mercado do petróleo. Não podemos falar de uma crise porque não há uma rotura de abastecimento do mercado. No sector do petróleo existem, sim, constrangimentos fortíssimos, que podem ser ultrapassados. O mercado é que tem factores exógenos que provocam todas estas variações. O petróleo, porque é um produto estratégico, está sujeito à pressão de vários factores, nomeadamente geopolíticos. Hoje, por exemplo, porque pode vir a acontecer um conflito entre dois países [Estados Unidos da América e Irão], o mercado entrou numa situação de pânico. Se só há constrangimentos no sector, se o petróleo continua a fluir, se o custo de transporte por oleoduto não está indexado à procura (é um custo fixo), os preços subiram por medo daquilo que possa vir a acontecer, não por razões ligadas ao sector.
Mas estes acontecimentos exteriores têm um grande impacto porque, do lado da oferta, o mercado percebe que o sector está muito pressionado...
Sim, o sector está muito apertado devido a vários constrangimentos, mas o petróleo bruto convencional ou petróleo leve [mais fácil de extrair e refinar] não está em eminente e evidente extinção, embora as reservas estejam a diminuir substancialmente. De acordo com os petrofísicos, desde a Pensilvânia e Baku [locais das primeiras descobertas de petróleo, nos EUA e no Azerbeijão respectivamente], ou seja, nos últimos 125 anos, consumiu-se um trilião de barris. Nos próximos 35 anos vamos consumir outro trilião de barris, caminhando a passos largos até à sua extinção. De reservas comprovadas, temos petróleo convencional por mais 50 a 60 anos.
Quais são esses "constrangimentos" que pressionam o sector?
Como constrangimentos temos um longo período de muito baixo investimento, em inventariação de novas descobertas, em extracção, em transporte e, sobretudo, em refinação. Só para inventariação de uma nova concessão, com ensaios sísmicos, já se gastam uns milhões de dólares. A extracção é feita muitas vezes em regiões sem segurança o que obriga as empresas petrolíferas a fazerem a sua própria segurança. Depois, temos o pouco investimento em transporte. Um oleoduto tem custos por quilómetro equivalentes a uma auto-estrada, são biliões de dólares para transportar o petróleo através de milhares de quilómetros. Por fim, há fortíssimos constrangimentos na refinação. Mesmo que queira aumentar a entrega de petróleo ao mercado, a capacidade de refinação instalada está hoje muito próxima da entrega total ao mercado, funcionando como um estrangulamento. Enquanto em 1982 estava a refinar à volta de 60 milhões de barris diários e tinha uma capacidade instalada no mundo para 80 milhões, hoje a produção chegou perto dos 80 milhões e a capacidade não aumentou. Temos, assim, constrangimentos do lado da oferta e, por outro lado, uma procura incessante.
Faz parte do grupo dos pessimistas que advogam a teoria do apocalipse com o esgotamento do petróleo, conhecida por "peak oil"?
Sou contra. Porque é um exercício matemático muito interessante e apenas isso. Pode prever-se um esgotamento em 50 anos do petróleo leve, inventariado em reservas prováveis, que até poderá esgotar-se em 30 ou 35 anos, mas temos ainda o recurso ao petróleo pesado, que será inesgotável por umas centenas de anos. Por outro lado, em aplicações em que não sejam absolutamente exigíveis os combustíveis fósseis, nós podemos ter recurso à electricidade a partir de outras fontes energéticas. O "peak oil" é um exercício de pessimismo alarmista.
Enquanto cartel, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) mantém o seu poder de mercado intacto, mesmo com a emergência de novos países produtores à margem da organização, como a Rússia?
A OPEP ainda produz cerca de 33 milhões de barris diários e as reservas comprovadas darão para quase 70 anos, ao ritmo de produção actual. Mas precisam de grandes investimentos para conseguir aumentar a produção. A OPEP não tem hoje a força que tinha não só porque a Rússia entrou no mercado com muita força, mas porque, quando falamos de OPEP, estamos a falar de petróleo leve. Pelo lado do petróleo pesado é que as coisas irão mudar. As reservas russas em petróleo leve e, por outro lado, a Venezuela e o Canadá no petróleo pesado, serão os players do futuro e é com esses que tem que se contar. Na Venezuela já estão a operar as principais petrolíferas mundiais.
Mas esse é o petróleo pesado, é mais caro de extrair e de refinar...
Quando digo que a Venezuela será um player do futuro é porque a faixa do rio Orinoco, que tem uma dimensão à volta de dois terços do nosso país, tem reservas imensas. A extracção é mais cara porque exige injecção de vapor de água, o que na situação da Venezuela é o melhor que lhe poderia ter acontecido. Primeiro porque tem no rio Orinoco água com fartura. Depois, porque tem a mega-barragem do Guri, com energia eléctrica que chega e sobra, de origem gratuita, para injectar o vapor e extrair o seu petróleo. Está na melhor posição do mundo para, no futuro, dominar o mercado. À medida que o tempo passa, o petróleo leve irá escasseando e cada vez mais o pesado terá de ser utilizado. Mas não será nunca uma alternativa mais barata. A alternativa com um método de extracção mais caro não irá fazer baixar o preço, irá sim continuar a fazê-lo subir. É essa a tendência de longo prazo.
As inovações tecnológicas na indústria petrolífera, ao nível da extracção e produção de combustíveis, poderão suavizar o declínio das reservas petrolíferas hoje conhecidas? O consumo de petróleo divide-se em 60 por cento para transportes e 40 por cento para produção de energia eléctrica e para a indústria. O que tem vindo a ser feito em termos de inovação é trabalhar nos 40 por cento, uma vez que a produção de energia eléctrica pode ser feita sem recurso ao petróleo. Mas a extracção do petróleo leve é cada vez mais cara e traz problemas ambientais. O Árctico é hoje um grande depósito de petróleo, mas a extracção, que já está a ser feita, tem riscos ambientais e custos elevados.
Para produção de electricidade, a energia nuclear é uma hipótese...
Pode ser nuclear ou eólica. A nuclear tem os seus riscos, mas nós temos na Europa Ocidental 146 reactores. Só na Bélgica há sete, a França tem 59, o Reino Unido tem 31, a Alemanha tem 19 e a Espanha tem nove. É uma alternativa possível. A eólica é aquela pela qual os portugueses enveredaram e, quanto a mim, muito bem, para reduzir o peso do petróleo na produção de electricidade. Pelos números que me chegaram, nós duplicamos num ano a capacidade eólica instalada, estando hoje Portugal classificado em 11º no ranking mundial, com a Alemanha e a Espanha à cabeça. É por aí que podemos trabalhar para reduzir a dependência nos 40 por cento de petróleo consumidos "extra transportes".
Portugal tem andado desatento em termos de política energética? Que razões encontra para a ausência de uma estratégia nacional nos últimos anos num sector tão importante como o da energia? Andámos adormecidos a pensar noutras coisas. Quando nós temos um produto de que dispomos e supomos que não há problema com ele, distraímo-nos. Mas deveríamos ter estado atentos ao choque petrolífero de 1973. Pela leitura do que nos aconteceu nessa altura, com o embargo, as coisas poderiam ter sido tratadas de outra maneira, com mais atenção. Eu estive em missão na África do Sul e tive ocasião de constatar como este país resolveu a sua situação de dependência. Em 1973, ainda tinham o Irão como aliado, uma vez que o xá Reza Pahlevi era um amigo dos sul-africanos e continuou a abastecê-los. Porém, mesmo antes de 73, a África do Sul já havia previsto que alguma perturbação poderia acontecer e optaram por uma alternativa. Como dispunham de quantidades de carvão enormes, adoptaram um sistema para sintetização do carvão e produção de combustíveis sintéticos, para agregar à gasolina. Em qualquer altura têm o país salvo com esse recurso e, na crise de 1979, foi isso mesmo que aconteceu. Eles seguiram por este rumo e outros decidiram de outra forma, pelo nuclear. Nós, por outro lado, não temos pensado muito nisso, temos andado um pouco adormecidos. E isto são problemas que se resolvem apenas a longo prazo, os resultados não são imediatos. Se fizer agora investimento no que quer que seja, só daqui a vários anos é que vai ter o resultado. O que estamos a fazer nas eólicas é óptimo. A produção de energia eléctrica através da energia eólica em Portugal em 1995 era zero e, em 2004, já representava cinco por cento. A produção de energia hídrica é que baixou substancialmente. Nós temos sol, temos vento, temos água e cada país deve recorrer ao que tem. Usar os recursos dos outros... podemos pagar, mas ficamos muito dependentes.
A China e a Índia são realmente os "maus da fita", responsáveis pelo aumento cada vez maior da procura de petróleo?
A China e a Índia representam um terço da população mundial e são países com quem se deve ter um bom relacionamento. Não são os "maus da fita", trata-se apenas de estratégias económicas e geopolíticas. Os EUA consomem cerca de um quarto do petróleo mundial e importam dois terços do que consomem. No meu ponto de vista, o fiel da balança do poder está a desviar-se para o eixo Sino-Russo. Enquanto os russos e os chineses se olhavam de lado, a China desenvolveu-se pelos seus próprios meios. Mas hoje, para continuar o seu desenvolvimento económico, a China tem um défice de cerca de três milhões de barris diários. A negociação para o abastecimento à China e ao Japão (com a Índia as coisas ainda não estão completamente resolvidas) levou 12 anos a ser concluída. Em Janeiro deste ano, o presidente Putin garantiu um oleoduto à China, com um desvio para o mar do Japão. Abastece a China e o Japão, cumprindo a quase totalidade das necessidades chinesas e uma parte mais pequena das japonesas. Graças à Rússia, a China tem hoje todas as condições necessárias para garantir o desenvolvimento económico continuado. Este novo eixo está a sobrepor-se, em interesse, aos países ditos industrializados, que estão a ser relegados para segundo plano.
O que explica uma das chamadas de capa do seu livro, segundo a qual "China e Rússia estão a esmagar o orgulho ocidental"...
A Rússia tem uma capacidade instalada que lhe permite aumentar a produção, ao contrário da Arábia Saudita que tem a capacidade de extracção esgotada (só com novos investimentos é que pode aumentar a produção). O grande desequilíbrio quando falava em Rússia e EUA é que os EUA importam mais de nove milhões de barris diários, enquanto a Rússia exporta quatro milhões, sem ter ainda começado a fornecer à China e ao Japão através do oleoduto em actual construção, que se prevê concluído daqui a dois anos. Quando dizemos que os EUA importam diariamente nove milhões de barris, estamos a falar de 630 milhões de dólares diários. A Rússia recebe contrapartidas de 300 milhões de dólares diários. Além disso, a extracção suplementar de petróleo para a China e para o Japão, assim como os oleodutos, são financiados pelo Japão e pela China, com pouco investimento russo. Os americanos, por outro lado, para garantir o fornecimento ainda têm que pagar a segurança. Ou seja, os custos para os EUA e os benefícios para a Rússia e China têm todos os ingredientes para que a balança do poder se altere, não pela força mas pela economia.
Esse novo oleoduto irá ter influência no mercado?
A Rússia passa a fornecer a China e o Japão, com três milhões de barris diários, deixando de ter margem para compensar quebras de mercado. Nessa altura, é previsível mais um forte abanão nos preços.Como vê a cada vez maior influência, em termos energéticos, da Rússia sobre a União Europeia (UE)?
A UE não tem uma política energética comum. No mosaico de países que constituem a Europa Ocidental, cada um tem o seu problema para resolver. A Grã-Bretanha é auto-suficiente e exporta, assim como a Dinamarca e a Noruega (que é o terceiro exportador mundial). Estes três países estão muito bem. Quando a Rússia fizer alguma pressão serão eventualmente os alemães, que pretendiam um abastecimento russo directo, os mais prejudicados. Nas outras áreas, cada um vai fazendo o que pode. O problema não é global na Europa, cada um tem o seu problema. Uns têm petróleo, outros resolveram por outra via e outros não fizeram coisa nenhuma e esses estão com mais dificuldades.
Tendo em conta que a energia passou a ser uma questão de segurança nacional, e que os EUA já discutem a criação de uma "proto-NATO" para a energia, não é de estranhar o silêncio da União Europeia sobre este assunto?
As discussões no seio da UE são uma coisa muito complexa. Em 2004, a UE produziu 2,5 milhões de barris diários e consumiu 14,5 milhões e meio - teve 12 milhões barris diários de défice. Em gás natural tiveram 255 biliões de metros cúbicos de gás. Mas, nestes números, incluem-se a Dinamarca e a Grã-Bretanha, que não têm problemas. Cada um tem as suas vantagens e dificuldades específicas e vai ser difícil chegar a acordo por causa disso, é uma área muito sensível. Os EUA são estados unidos, criaram-se com várias guerras, entenderam-se e têm um governo central que fala por eles. A UE é um convénio, entenderam prescindir de alguma soberania e conseguir um mercado comum. Depois, os EUA podem ter muito mais urgência que os europeus para agir desta forma, porque têm um problema grave. Não só pelo que têm que pagar pelas importações, mas também porque são quem paga pela segurança do abastecimento.
"Reveja a sua forma de vida"
Em quatro anos, a factura portuguesa da importação de petróleo quase duplicou.
Numa altura em que o barril de petróleo abaixo dos 50 dólares parece ser uma memória de tempos já idos, a dependência de Portugal face a esta fonte de energia significa uma factura grande para pagar. Em 2005, "pela mesma quantidade que importávamos há quatro anos, pagámos cerca do dobro", aponta Caleia Rodrigues. Dos 2,2 mil milhões de euros desembolsados em 2002, Portugal passou para quase quatro mil milhões de euros em 2005. "São vários TGV em cada ano", comenta Caleia Rodrigues. Esta subida dos preços irá obrigar os portugueses - os mais ineficientes na utilização da energia na União Europeia a quinze - a "rever a sua forma de vida". Além do investimento em energias alternativas, Caleia Rodrigues destaca a necessidade de optar por caminhos mais racionais no consumo, num equilíbrio entre conforto e eficiência energética. "Uma alternativa são os transportes públicos, que podem ser alimentados com energia eléctrica", sugere. Contudo, as dificuldades serão grandes. "A educação, leva algum tempo", lembra. "Na nossa estrutura de vida há pessoas a viverem a 50 ou a 60 quilómetros do local de trabalho, vai ser difícil manter uma situação dessas".

[08-05-2006] [ Bruno Faria Lopes, Revista "Dia D", Público (on-line) ]