sexta-feira, 7 de março de 2008

Os aquíferos das terras altas do West Bank (Cisjordânia) têm evoluído para uma complexa situação sem precedentes no direito e nas relações internacionais.
Não cabe dúvida de que qualquer Acordo entre os compartilhantes dos aquíferos terá que proporcionar respostas adequadas à questão do controle, supervisão da qualidade e repartição da água. A este respeito, Israel só reconheceu o “direito às quantidades de água” e não ao seu controle por parte dos palestinianos.
O compromisso territorial acerca dos aquíferos assume especial importância na determinação das fronteiras a estabelecer entre Israel e o povo palestiniano. Não é certamente por acaso que a maioria dos assentamentos judeus no West Bank se encontram localizados em terrenos do aquífero ocidental. Parece claro que, desde o princípio, os judeus têm tido perfeita consciência do crescente problema dos aquíferos e a sua luta demográfica vem reforçar as reclamações que os israelitas têm vindo a apresentar por água e pelo alargamento da “estreita cintura” israelita na área de Kalkiliya-Tulkarm.
No que respeita às exigências palestinianas sobre o Rio Jordão, Mar da Galiléia e Al Alma, parece pouco credível que Israel as possa vir a considerar. A partir do momento em que as águas do Rio Jordão passaram a ser completamente utilizadas, não há espaço de manobra para negociação de novas entregas. A solução para os problemas dos palestinianos no estimado curto-prazo será por emergência dos territórios do West Bank e a médio-prazo a dessalinização. Recorde-se que no “Acordo Interino Israelo-Palestino para o West Bank e para a Faixa de Gaza”, assinado em 28 de Setembro de 1995, entre o Governo do Estado de Israel e a Autoridade Palestina, afirma-se que “Os dois lados consideram o West Bank e a Faixa de Gaza como uma única unidade territorial, pelo que a sua integridade e estatuto serão preservados durante o período interino”, para, mais adiante, afirmar que “A jurisdição territorial inclui terra, subsolo e águas territoriais, de acordo com o previsto neste Acordo.”,
Este Acordo e a “Declaração de Princípios” são omissos acerca dos direitos palestinianos, totais ou parciais, de acesso à Bacia do sistema do Rio Jordão.
Não podemos deixar de salientar que Israel e a Síria, no que respeita à questão da partilha dos recursos aquíferos, também tomaram posições de difícil conciliação. O mais evidente é que a Síria tem controle directo e indirecto sobre as nascentes Norte do Rio Jordão, incluindo as nascentes Dan que desaguam no Monte Hermon, a secção do Rio Banias (território sírio anterior a 1967) e as nascentes do Rio Hasbani, localizado em território sírio e libanês. Antes de 1967 os Montes Golã pertenciam à Síria (anexados por Israel na Guerra dos Seis Dias) que controlava, efectivamente, a qualidade das águas do Mar da Galiléia, entre outras razões porque o oleoduto saudita atravessa os Montes Golã em direcção a Sidon. Após a anexação dos Montes Golã, os israelitas construíram aí grandes reservatórios que, na eventualidade de evacuação dessa área, passariam para a soberania dos sírios que, pelo facto de terem mantido o controle da secção a montante e a maior parte da bacia do Rio Yarmuk (o maior afluente do Rio Jordão), parte integrante do seu território, estariam aptos a determinar o destino a dar às águas do Rio Jordão, colocado a jusante e, por extensão, a influenciar os fluxos israelitas. No caso de Israel se retirar para as fronteiras pré-Guerra de 1967, desocupando os Montes Golã, a Síria passaria a controlar uma parte muito significativa do Mar da Galiléia. Para além desta situação de dependência, acresce que o Líbano controla os Rios Hasbani e Ayun que drenam para o Rio Jordão, se bem que a descarga do Ayun seja pouco significativa.
Vejamos, então, os pólos de divergência mais difíceis de ultrapassar, como são os relativos às nascentes Norte do Rio Jordão, aos aquíferos dos Montes Golã, às margens do Mar da Galiléia e à bacia do Rio Yarmuk.
No que se refere às nascentes Norte do Rio Jordão, a nascente Dan, mestra das nascentes do Jordão, está situada em território israelita, apenas a pouco mais de 10 metros da fronteira internacional israelo-síria. A origem das suas águas está no Monte Hermon, o que significa que a Síria dispõe de capacidade para bombear as águas junto à nascente ou danificar a sua qualidade. Outra nascente, o Banias, encontra-se em território sírio, a cerca de um quilómetro da mesma fronteira internacional, pelo que a Síria tem reclamado a sua completa utilização. O Rio Hasbani marca fronteira entre a Síria e o Líbano e, em certos pontos do seu percurso, entre a Síria, o Líbano e Israel, tendo originado um enclave sírio que penetra, do lado oeste dos Montes Golã, no Hasbani. Deste modo, a Síria apresenta-se como parceiro único neste rio e nalgumas outras das suas nascentes (p. ex. na nascente Al Wazzani).
Na eventualidade de Israel regressar às fronteiras existentes antes da Guerra dos Seis Dias, a Síria assumiria completo controle dos Rios Banias e Hasbani e, indirectamente, do Dan. Neste caso, a Síria recuperaria o controle sobre todos os afluentes do Rio Jordão, com o risco agravado da ocorrência de danos na mais importante origem de água de Israel, em caso de poluição. Um Acordo de Paz israelo-sírio que ponha em ordem o conjunto das situações expostas, também obrigaria à revisão do traçado do oleoduto saudita que atravessa a região, já que qualquer acidente no oleoduto poderia ser catastrófico para as águas do Mar da Galiléia. De acordo com a fronteira indicada nos mapas de 1921-22, o curso do Rio Jordão, entre os Montes Golã e Israel, está localizado em Israel. Porém, de acordo com as linhas de fronteira de 1967, os sírios tornar-se-iam parceiros por inteiro, nessa área do Rio Jordão.
Quanto ao Mar da Galiléia, em caso de acordo, a Síria regressaria às suas margens, qualquer que seja a versão escolhida para traçado de fronteira internacional. Na de 1921-22, fica a cerca de 10 metros da linha da margem e, de acordo com as outras duas versões, a Síria tornar-se-ia parceiro por inteiro do Mar da Galiléia e reclamaria direitos territoriais sobre ele como, aliás, ocorreu durante a década de 1960. Em qualquer caso não seria possível inspeccionar as actividades sírias no Mar da Galiléia e, consequentemente, o Mar da Galiléia tornar-se-ia internacional com todas as implicações inerentes a essa nova situação.
O caso do Rio Yarmuk parece mais claro: a Síria detêm a chave do regime da água na Jordânia. Facto que, do ponto de vista de Israel, comporta sérias implicações geopolíticas, já que a Jordânia se tem mostrado, em várias ocasiões, muito sensível a pressões sírias.
Deve-se salientar que o lado israelita tem manifestado vontade de sair dos Montes Golã, parcial ou totalmente, em troca de garantia de paz entre Israel e a Síria. Porém, recorde-se que, em caso de decisão de saída total dos Montes Golã, aumentará o debate acerca da linha para a qual Israel deve recuar. No Tratado de Paz com a Jordânia e com o Egipto, a fronteira internacional foi a acordada entre as Partes, para cada um dos casos. No que respeita ao traçado da fronteira israelo-síria existem várias demarcações da fronteira internacional, em resultado da conflituosa história das relações entre as duas regiões. Recorde-se que foi fixada uma fronteira internacional, em 1923, entre a zona controlada pelos franceses na Síria e a controlada pelos ingleses na Palestina. Posteriormente, em 1949, foram estabelecidas linhas de cessar-fogo entre Israel e a Síria, incluindo zonas desmilitarizadas, bem definidas, em território israelita. Por fim, a fronteira que existia nas vésperas da Guerra dos Seis Dias (5 a 10 de Junho de 1967) quando Israel anexou os Montes Golã, estava desmarcada pelos inumeráveis incidentes fronteiriços, durante os quais a Síria tomou vantagem da sua superioridade topográfica e denteou a linha de fronteira.
O traçado de fronteira tem, como vimos, enormes repercussões nas questões relacionadas com a soberania sobre as águas disponíveis. Ou melhor, a soberania sobre as águas disponíveis tem condicionado o traçado das fronteiras, duradouras e estáveis, entre os países envolventes da Bacia do Rio Jordão.


Destaque:
A soberania sobre as águas disponíveis tem condicionado o traçado das fronteiras, duradouras e estáveis, entre os países envolventes da Bacia do Rio Jordão.

J. Caleia Rodrigues
Diário Económico
Outubro
.2001