quinta-feira, 6 de março de 2008


É indiscutível que o petróleo assumiu a posição de matéria-prima essencial ao desenvolvimento económico das nações e ao bem-estar das populações, nomeadamente em países que basearam o desenvolvimento da sua economia numa produção industrial exigente de grandes recursos energéticos, dado que a descontinuidade da sua obtenção tem demonstrado provocar crises políticas e sociais de muito difícil contorno, ameaçadoras da segurança social, chegando a poder atingir a própria soberania das nações,
Os analistas do sector têm salientado que, após o 11 de Setembro, assistiu-se a uma crescente preocupação acerca da dependência dos fornecimentos oriundos do Médio Oriente, nomeadamente da Arábia Saudita, grande pilar do mercado mundial, responsável por cerca de 20 por cento do volume total transaccionado.
A estabilidade saudita tem sido conseguida à custa da forte liderança do Rei Fahd bin Abdul Aziz que, ao herdar de seu pai Saud ibn Abdul Aziz (que proclamou o Reino da Arábia Saudita em 1932) a liderança religiosa (anteriormente em mãos da família hashemita de Meca que entregou o poder aos otomanos que por sua vez o entregou ao Rei saudita Faisal), também herdou o poder económico radicado na gestão dos contratos petrolíferos dos seus quase 300 biliões de barris de petróleo de reservas comprovadas e da exportação de mais de 9 milhões de barris diários que, por seu turno, lhe asseguram a liderança incontestada da OPEP.
Este encadeado poder, obriga a reflectir nas hipóteses de sucessão dessa musculada liderança, a exigir fundamentalmente estabilidade política na região que garanta e assegure a continuidade de fornecimento aos consumidores dependentes.
Nesta vertente, verifica-se o enorme e ainda não suficientemente discutido risco para a segurança energética global, económico e geopolítico, da profunda dependência asiática do petróleo do Médio Oriente e da sua vulnerabilidade a qualquer descontinuidade de abastecimento.
Actuando num mercado global petrolífero, o surgimento de uma escassez numa dada região, pode conduzir a um pico de preços generalizado e evidenciar a existência de uma bolha na estratégia da segurança energética, polarizado na Ásia.
A região Ásia-Pacífico, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos ou na Europa, importa quase todo o seu contingente petrolífero do Médio Oriente. Dado que os países da região Ásia-Pacífico não dispõem de sistema de resposta colectiva nem de reservas estratégicas suficientes, em caso da ocorrência de interrupção de fornecimento, quer motivada por guerra, por embargo ou mesmo consequente de alteração política a ocorrer no Médio Oriente, os Estados Unidos e a International Energy Agency (IEA) terão que gerir a crise dentro das suas capacidades e disponibilidades.
Na ocorrência de uma situação de crise, grande parte de países consumidores que não disponham de reservas estratégicas, como a China ou a Índia, terão que competir no mercado mundial, pagando um prémio demasiado elevado, por escassos fornecimentos ou assumir a incapacidade de obter suficientes produtos petrolíferos indispensáveis aos seus consumidores. Perante o quadro de uma séria interrupção de fornecimento, as economias da região Ásia-Pacífico poderão sofrer um impacto de enormes proporções. Para colmatar tal situação, os recursos disponíveis teriam que ser partilhados com os países dessa região (excluindo o Japão e a Coreia que já são membros da IEA), assumindo todas as consequências que adviessem da medida adoptada.
Os Estados Unidos começaram a considerar a necessidade de uma reserva nacional de petróleo há mais de cinco décadas, mais precisamente logo após o fim da Segunda Grande Guerra Mundial.
Se bem que os Estados Unidos tenham dado um importante passo no sentido de aumentar a sua segurança na área dos recursos energéticos, com a implementação da Stategic Petroleum Reserve (SPR), garantida inteiramente à custa dos seus próprios recursos, a medida não se afigura suficiente para garantir uma interrupção de longa duração, um importante choque de preços ou uma alta falha no mercado.
A decisão foi tomada pelo Presidente Gerald Ford, no período que se seguiu ao embargo de 1973-74, com a assinatura do “Energy Policy and Conservation Act” em Dezembro de 1975, que estabeleceu a “Strategic Petroleum Reserve”. A legislação declara ser política dos Estados Unidos, estabelecer uma reserva até ao limite máximo de 1 bilião de barris de petróleo bruto.
O Golfo do México foi o local escolhido para o armazenamento da reserva, dado que é nessa área, ao longo da Costa, que se encontram situados mais de 500 bancos profundos de sal de mina e localizadas grande parte das refinarias, pipelines e pontos de carga de tanqueiros. O Governo dos Estados Unidos adquiriu cerca de 50 cavernas de sal existentes na zona, a maioria das quais nas Costas do Texas e da Louisiana, destinadas a esse armazenamento estratégico.
Actualmente, a “Strategic Petroleum Reserve” dos Estados Unidos, com uma capacidade declarada de armazenamento de 700 milhões de barris de petróleo bruto, contêm 571 milhões de barris, dizendo-se constituir a maior reserva do mundo, avaliada em mais de USD20 biliões.
Na região em que nos encontramos e tendo em consideração a garantia exigível para esta estratégica matéria, a Comissão Europeia adoptou, em 12 de Setembro de 2002, duas propostas de directiva para que os Quinze realizassem uma gestão comum das reservas estratégicas de petróleo e de gás e para que equiparassem os stocks de crude em todos os Estados Membros, alargando a capacidade de auto-suficiência para o consumo de 90 a 120 dias (a média europeia é de 114 dias), equivalente à exigência de uma reserva global de cerca de 1.600 milhões de barris (quase o triplo da existente nos Estados Unidos).
Tão importante ou mais do que as reservas estratégicas, foi a capilaridade que se foi desenvolvendo no mercado, que actualmente disponibiliza novos abastecimentos oriundos de diversas regiões, assegurando um leque de opções que tornou o mercado mais seguro e credível. E sobretudo aliviador do pesadelo que se viveu em várias ocasiões de boicote.
Veja-se a instalação do Corredor energético Este-Oeste, concebido para permitir transportar os imensos recursos disponíveis no Cáucaso e na Ásia Central para os mercados ocidentais. Neste caso, a garantia de abastecimento vai assentar nos pipelines de petróleo e de gás das rotas trans-cáspicas e trans-caucasianas, oriundas de Bakú e do Turquemenistao, atravessando a Turquia e a descarregar no mediterrâneo.
A Rússia que já está competindo com a Arábia Saudita pela liderança de abastecimento do mercado à escala mundial, anunciou a pretensão de instalar alternativas a esta rota. A recente descoberta de importante campo petrolífero na margem ocidental dos Urais, contendo reservas estimadas em cerca de 40 biliões de barris de petróleo bruto, permite-lhe abastecer, tanto o Ocidente como o Extremo Oriente. Os responsáveis pelo projecto, pretendem produzir a partir deste campo, cerca de 450.000 barris diários, passando a desempenhar o papel de grande exportador, dado que dispõe de boas vias de escoamento e de exportação, a partir de portos que podem atingir fácil, rápida e seguramente os mercados ocidentais.
Também o Kasaquistão pretende aumentar a sua capacidade produtiva até aos 3 milhões de barris diários num período não superior a 15 anos, de forma a posicionar-se entre os três maiores exportadores mundiais. Para tanto, tem em curso o projecto de ampliação do oleoduto de 1.510 km que acaba de inaugurar para obter um acesso economicamente rentável aos mercados consumidores das regiões da Ásia e do Pacífico, via Golfo Pérsico.
Outro importante polo alternativo é o constituído pela Venezuela que tem desempenhado um indiscutível papel no mercado energético mundial, logo na geopolítica do petróleo, graças às reservas de hidrocarbonetos detectadas, que atingem os 77,8 biliões de barris de petróleo e os 147,6 triliões de pés cúbicos de gás natural. Estes números verdadeiramente impressionantes, colocam a Venezuela em 6º e 7º lugares à escala mundial, relativamente a reservas comprovadas de petróleo e de gás natural.
Note-se que, de acordo com dados divulgados pela empresa venezuelana do sector petrolífero, as regiões Oriental e de Maracaibo concentram 60 por cento do total de hidrocarbonetos do planeta, atingindo o valor estimado de 221 biliões de barris de petróleo bruto, entre as quantidades estimadas de leve, pesado e extra-pesado.
Porém, o levantamento dos depósitos mundiais comprovados e disponíveis para colocação no mercado internacional, têm sido omissos no que se refere aos depósitos de betuminosos, posto que são considerados hidrocarbonetos não-petróleo. Este facto tem beneficiado a Venezuela dado que não os incluiu na quota de petróleo admitida pela OPEP.
Logo, os 1,2 triliões de barris de petróleo bruto extra-pesado e de betumes estimados disponíveis na Faixa do Orinoco (correspondentes a 42 biliões de toneladas métricas), podem ser explorados comercialmente e exportados emulsionados. O produto acabado, que representa uma alternativa ambiental e económica, consiste numa mistura de, aproximadamente, 70% de betume natural e 30% de água, a que são agregados aditivos não enxofrantes, para estabilizar a emulsão. Este combustível é particularmente adequado a empresas eléctricas e industriais, nomeadamente cimentarias.

Ver Quadro 1

Noutro continente e de acordo com o relatório do US National Security Committee, verifica-se que os países africanos ao sul do Sahara já são responsáveis por 16 por cento das importações americanas de petróleo, esperando-se que possam vir a atingir os 25 por cento em 2015, graças às descobertas off-shore na África Ocidental e à construção do oleoduto que ligará o sul do Tchad aos portos atlânticos.
Dos 8 biliões de barris de reservas provadas, descobertas durante o ano 2001, cerca de 7 biliões estão localizados no Golfo da Guiné, dos quais 4 biliões em águas territoriais partilhadas entre São Tomé e a Nigéria.. Neste mesmo ano, a região atingiu a produção de 4,5 milhões de barris/dia. Lembre-se que a Rússia está a produzir actualmente 7,6 milhões de barris/dia e a Arábia Saudita um pouco mais de 9 milhões.
O petróleo africano apresenta a vantagem acrescida da maior facilidade de transporte, (apenas a um dia de viagem dos Estados Unidos) em relação ao do Golfo Pérsico ou ao do Mar Cáspio. Ademais, o petróleo do Golfo da Guiné contem baixo teor de enxofre e parece muito fácil de converter em combustível para motores de explosão.
De acordo com a Petroleum Finance Company, espera-se que a Nigéria venha a aumentar a sua produção até atingir, em 2007, os 3 milhões de barris/dia, enquanto Angola projecta duplicar até atingir os 2 milhões e o Tchad poderá atingir os 225.000 b/d, quando o oleoduto que atravessa os Camarões estiver concluído em 2004 (custo estimado em USD 3,5 biliões). A produção da Guiné Equatorial também poderá duplicar nos próximos três anos, até atingir os 350.000 b/d.

Ver Quadro 2


Não há sombra de dúvida que a crescente necessidade de recursos energéticos para satisfação do desenvolvimento económico sustentado, continuará a exigir os maiores esforços para a sua regular obtenção.
As regiões industrializadas, nomeadamente os Estados Unidos, a Europa Ocidental e o Japão, encontram-se na posição de dependência da importação desta estratégica matéria, só suficientemente disponível em regiões não industrializadas ou em vias de desenvolvimento industrial, como seja o Médio Oriente, a Rússia Oriental, a África Ocidental ou Setentrional, ou mesmo o norte da América Latina.
Não esquecendo que a China, com os seus 25 por cento da população mundial e uma das maiores taxas de desenvolvimento económico conseguido nos últimos anos, apesar dos seus importantes recursos próprios em gás natural, também depende das importações de petróleo bruto para a continuidade do desenvolvimento.

J. Caleia Rodrigues
Revista Actualidade (CCILE)
Maio/Junho.2004