quinta-feira, 6 de março de 2008


Comecemos por sublinhar que a União Europeia, dispondo apenas de 6,5 por cento da população mundial, produz mais de 25 por cento do PIB total mundial e assegura 35,5 por cento das exportações e 34 por cento das importações registadas à escala mundial.
Contudo, é por demais conhecida a sua dependência no que se refere a combustíveis. O consumo do conjunto dos países-membros da União Europeia ultrapassa largamente a produção, dado que consomem 5 vezes mais petróleo do que produzem, o dobro do gás natural e 1,8 vezes mais carvão.

Ver Quadro 1

Podem considerar-se excepções, a confortável situação do Reino Unido e da Dinamarca, excedentários, quer em petróleo bruto quer em gás natural, e a recém-chegada Polónia com o seu carvão.
Ressalve-se que o problema não está na produção ou em dificuldades tecnológicas ou financeiras, como em tantos outros casos. As reservas comprovadas da União Europeia são escassas, correspondendo apenas a 0,5 por cento das totais mundiais em petróleo bruto, a 1,7 de gás natural e a 9,5 de carvão.
O “European Energy and Transport Trends to 2030” (Jan. 2003) é categórico ao afirmar que a produção atingirá o seu máximo cerca do ano 2005, a partir do qual a produção irá decrescer, sobretudo à escala dos combustíveis fósseis (especialmente carvão e petróleo e o gás do Mar do Norte) e do progressivo abandono da utilização da energia nuclear. Este declínio não será compensado pela rápida expansão da produção de energias renováveis, apesar destas se irem tornar na segunda maior fonte própria, logo a seguir ao nuclear, cerca do ano 2030.
Assim, e de acordo com o estudo em referência, as importações de combustíveis fósseis irão aumentar cerca de 2/3 entre 2000 e 2030, assumindo as importações de gás natural a grande responsabilidade do aumento. No que se refere ao petróleo, prevê-se o aumento de ¼ no decurso do mesmo período.
Em consequência, a conjugação do aumento da procura com o decréscimo da produção própria aumentará a dependência da importação de energia que poderá passar dos 50 por cento atingidos no ano 2000, para os 68 por cento em 2030. Nesta situação, a dependência do petróleo importado irá aumentar dos 75 por cento registados no ano 2000, para os 90 por cento em 2030. No que se refere ao gás natural e aos combustíveis sólidos, a dependência aumentará ainda mais rapidamente, a partir dos 45 por cento em gás natural e dos 50 por cento em combustíveis sólidos, até atingir os 80 por cento em 2030.

Ver Qadro 2

A recente adesão da Polónia à União melhorou ligeiramente a situação de dependência em que esta se encontra, dado que é detentora de consideráveis reservas comprovadas de carvão, na ordem dos 22 biliões de toneladas equivalentes de petróleo (2,25 por cento do total mundial) e, actualmente, produtora de 70 milhões de toneladas anuais.
A Comissão da União Europeia, ao fazer o ponto da situação em matéria de política energética e dos instrumentos disponíveis para aplicação desta política, já tinha salientado, em comunicado datado de 23 de Abril de 1997, os desafios estratégicos a que a União deveria fazer face, nomeadamente "garantir a segurança de abastecimento energético gerindo a crescente dependência externa da União neste sector".
Nesta linha de orientação, o relatório final sobre o “Livro Verde”, publicado pela Comissão das Comunidades Europeias em 26 de Junho de 2002, e intitulado “Para uma estratégia europeia de segurança do aprovisionamento energético”, enfatizou a necessidade de encontrar uma fonte externa diversificada de fornecimento de energia que garantisse um fluxo ininterrupto de gás.
No “Livro Verde” propõe-se uma estratégia clara, centrada no controlo da procura. O Livro tem o mérito de sublinhar que a margem de manobra da União, no que respeita à oferta de energia, é muito limitada, sobretudo devido à escassez de recursos próprios. “Convém, pois, agir no campo da procura (inflecti-la e orientá-la), contrariamente aos Estados Unidos, que, no seu plano energético, anunciado em Maio de 2001, pretendem responder à procura através de uma maior oferta”, pode ler-se no Relatório.
Nesta linha de preocupações, a Comissão decidiu considerar as interligações da rede de gás natural existentes, Turquia-Grécia e Grécia-Itália, como projecto prioritário da rede “Países do Mar Cáspio - Médio Oriente - União Europeia”.
Deste modo, a União Europeia pretendeu garantir a segurança de abastecimento de produtos energéticos através de projectos de cooperação a estabelecer com as três maiores artérias e da criação de uma nova rota que passa pela Turquia, por interligação com as redes de gás natural turca e grega. Nesta perspectiva, o projecto do Corredor energético Este-Oeste, concebido para permitir transportar os recursos do Cáucaso e da Ásia Central para os mercados ocidentais, pode vir a constituir uma rota alternativa que aumente a segurança e garanta continuidade do abastecimento. O projecto foi desenvolvido tendo em atenção a descoberta das formações localizadas na região euro-asiática, baseando-se, fundamentalmente, na instalação dos pipelines de petróleo e de gás nas rotas transcáspicas e transcaucasianas, constituídas pelo oleoduto Baku-Tbilisi-Ceyhan (BTC), pelo gasoduto sul-caucasiano Baku-Tbilisi-Erzurum (BTE) e pelo projectado gasoduto Turquemenistão-Turquia-Europa. (ver “Actualidad” Nº 82, Maio-Junho2004)
Mais recentemente, a Vice-Presidente da Comissão Europeia e Comissária de Transportes e Energia, Loyola de Palacio, denunciou que, a exagerada dependência externa da União Europeia em hidrocarbonetos, constitui um considerável risco para as economias europeias.
A nova abordagem proposta no “Livro Verde” em relação às reservas de petróleo, suscitou igualmente um amplo debate. A proposta do “Livro Verde”, a favor de reservas estratégicas de petróleo, teve por objectivo garantir uma maior solidariedade entre os Estados-membros em tempo de crise. As incertezas geopolíticas e a volatilidade dos preços do petróleo obrigam a uma melhor organização das reservas e à coordenação da sua utilização. Do mesmo modo, foi discutida a necessidade de constituir reservas estratégicas de gás.
Tendo em consideração a garantia de abastecimento exigível para esta estratégica matéria, a Comissão Europeia adoptou, em 12.Setembro.2002, duas propostas de directiva para que os Quinze realizem uma gestão comum das reservas estratégicas de petróleo e de gás e para equipararem os stocks do crude em todos os Estados Membros, alargando a capacidade de auto-suficiência para o consumo de 90 a 120 dias (a média europeia actual é de 114 dias), equivalente à exigência de uma reserva global de cerca de 1.600 milhões de barris (quase o triplo da existente nos Estados Unidos). A elaboração das propostas começou após a crise de Setembro 2000, quando a cotação do barril atingiu os 34 dólares. A nova escalada de preços e a previsível campanha militar dos Estados Unidos no Iraque, aceleraram a apresentação das duas propostas.
Portugal contribuiu, de forma muito significativa, para o reforço das reservas estratégicas, ao decidir implementar o projecto que disponibilizou em Sines a mais moderna e inovadora tecnologia existente na Península Ibérica para armazenagem de gás natural (LPG): cavernas subterrâneas, cavadas na rocha a grande profundidade.
A caverna para armazenamento de propano foi construída no local logisticamente ideal: exactamente junto do trajecto do pipeway entre o Porto de Sines e a refinaria. Fisicamente as cavidades configuram-se como três galerias paralelas interligadas entre si em dois pontos distintos, cada uma delas com comprimentos da ordem dos 160 metros, e secções médias de 163 m². A sua capacidade total útil de armazenagem é de cerca de 84.000 m³, correspondente a cerca de 40 esferas da maior dimensão autorizada para armazenamento deste produto pela via tradicional. Todo o equipamento está instalado num poço vertical de 164 metros (130 metros abaixo do nível do mar), contando com um túnel de cerca de 1 km de extensão em espiral a partir da superfície com uma inclinação máxima de 15%, que permite atingir a cota da caverna.






Destaques:

“O consumo do conjunto dos países-membros da União Europeia ultrapassa largamente a produção, dado que consomem 5 vezes mais petróleo do que produzem, o dobro do gás natural e 1,8 vezes mais carvão.”

“A exagerada dependência externa da União Europeia em hidrocarbonetos constitui um considerável risco para as economias europeias.”

“As incertezas geopolíticas e a volatilidade dos preços do petróleo obrigam a uma melhor organização das reservas estratégicas e à coordenação da sua utilização.”

“Portugal contribuiu, de forma muito significativa, para o reforço das reservas estratégicas da União.”


J. Caleia Rodrigues
Revista Actualidade (CCILE)
Julho/Agosto.2004