sexta-feira, 7 de março de 2008

A explosão demográfica aliada à exigência de perpetuação dos altos níveis de vida conseguidos nos países ricos e à pretensão de os atingir, reclamada pelos países pobres, introduziram aberrantes pressões no fornecimento estabilizado e continuado dos recursos naturais à escala mundial. Estas pressões provêm tanto da privação como das dimensões ecológicas do drama populacional, igualmente importantes na nossa concepção do mundo como população global. Todas as análises concluem que a utilização dos recursos naturais aumentaram de forma exponencial, salientando que, em muitas regiões e referido a grande parte dos recursos disponíveis e indispensáveis à manutenção do conjunto humano, está aumentando em ritmo superior ao aumento populacional. Recorde-se que, enquanto a população mundial aumentou três vezes e meia desde 1890, a energia industrial consumida per capita, apesar de desigualmente repartida, aumentou mais de sete vezes durante o mesmo período e a energia total consumida a nível mundial aumentou quase catorze vezes.
De entre os mais importantes recursos, frequentemente negligenciado dado que não se encontra enquadrado entre os classificados como estritamente não-renováveis, encontra-se a água. Apenas 2,53 por cento dos recursos aquíferos totais mundiais é potável e, para mais, a sua maioria encontra-se em gelo permanente (0,86 por cento) ou em glaciares e em neve permanente (68,7 por cento). Desde logo concluímos que, a nível do planeta, apenas podemos dispor de 0,76 por cento da água potável total disponível na ecosfera, seja em rios, lagos, águas no solo e na vegetação e em vapor de água na atmosfera. Tão reduzido recurso é crescentemente solicitado para consumo humano, indústria e produção alimentar, exigindo-se não só a sua disponibilidade mas também em adequada qualidade que permita a sua utilização em alimentação e em serviços de higiene doméstica. Enquanto a desalinização se tem desenvolvido em países que a pode instalar, a qualidade da água potável está sendo ameaçada por um vasto conjunto de poluentes provocados pelos humanos, desde esgotos domésticos a dejectos industriais, passando pelos químicos da indústria mineira e da agricultura.
Muitos dos países em desenvolvimento submetidos ao rápido processo da industrialização, confrontam-se com a panóplia de novos constrangimentos, neste caso devidos à poluição tóxica - eutrofização, metais pesados, acidificação, poluentes orgânicos persistentes - ao mesmo tempo que continuam lutando contra as tradicionais dificuldades resultantes da escassez de água nos seus territórios e da falta de eficazes serviços de saneamento básico. A ameaça representada pela poluição é particularmente séria quando afecta as águas subterrâneas, onde a contaminação é lentamente regenerada e os sistemas de purificação muito onerosos. Porém, exigem-se grandes quantidades de água para o início de novas explorações agrícolas, irrigação de antigos territórios, manutenção dos terrenos em actividade e suporte da “revolução verde” em áreas superpovoadas. Note-se que os peritos na matéria afirmam que são necessários entre 270 e 1.000 litros de água para produzir 5 quilos de cereal e 11.000 a 27.000 litros para produzir 5 quilos de carne. A fabricação de 1 tonelada de aço requer 300.000 litros e 1 automóvel 450.000 litros.
Começa-se, normalmente, por analisar o aumento populacional, mas grande parte dos analistas dão maior significado ao consumo de energia, que denominam de “recurso-mestre”, dado que, dispondo de suficiente energia, todos os outros recursos podem ser extraídos ou obtidos por outros meios, quer por processamento, substituição por outros equivalentes ou mesmo por reciclagem. Aumentar a produção de alimentos ou despoluir o ar e a água, exige o consumo de grande quantidade de energia. O desenvolvimento económico e o aumento do bem-estar nacional estão intimamente ligados à utilização da energia; consequentemente, os países pobres requererão mais energia para atingir os estádios de desenvolvimento desejáveis do que os países considerados desenvolvidos ou industrializados.
Conclui-se que estamos perante a emergência de um ciclo vicioso: a taxa de natalidade tende a reduzir-se e a estabilizar em países economicamente desenvolvidos, ao mesmo tempo que, para que o nível de bem-estar se mantenha, é requerido mais energia e mais água. Por outro lado, em regiões economicamente menos desenvolvidas, o acréscimo de população aumenta a procura que rapidamente absorve a totalidade do adicional de energia e de riqueza conseguidas, consumidas na pura manutenção do nível corrente, exigindo-se, portanto, enormes quantidade de energia para a atingir um acréscimo de desenvolvimento económico e de bem-estar.
O consumo de energia tem vindo a decrescer ligeiramente desde o início da década de 1980, em parte devido a medidas efectivas de conservação (especialmente na Europa e no Japão) mas também consequência do abrandamento do desenvolvimento económico verificado desde então. Dado que este último parâmetro, por razões óbvias, não se eternizará, e conscientes da possibilidade de novos choques petrolíferos em termos de acentuado agravamento dos preços de mercado e da imposição de reduções de fornecimento, será imprescindível encontrar novas fontes e novas vias de conservação de energia.
A delapidação dos recursos globais é, porém, excessivamente desigual. A distribuição dos recursos naturais vitais não é equitativa e razoável. Globalmente, as disponibilidades são abundantes, porém, apresentam-se desigualmente distribuídas desigualmente entre países e povos, mesmo dentro das suas próprias fronteiras políticas, estas raramente coincidentes com as suas fronteiras naturais. Enquanto o aumento do conjunto populacional do mundo economicamente menos desenvolvido induz consumo de recursos é, porém, nos países economicamente desenvolvidos que se verifica maior delapidação. Os actuais padrões de produção e de distribuição vigentes nos países ditos industrializados, muito provavelmente não poderão continuar a ser mantidos por muito mais tempo e a tendência para a imitação por parte dos restantes, irá causar irreparáveis desastres ecológicos.
As estratégias a implementar a curto e a médio prazo obrigarão, inevitavelmente, à vivência de um longo e difícil período de transição. Transformações básicas poderão ter que ser implementadas na utilização dos recursos, aumento da população e substituição dos recursos exauridos, simultaneamente com mudanças a introduzir a nível dos usos e costumes, quer sejam em base individual, de grupo, empresarial, social, regional ou até mesmo a nível global do sistema internacional.
Nesta matéria de evidente importância estratégica, ambas as correntes – realista e globalista – são praticamente concordantes, apesar dos antagonismos que evidenciam relativamente às vias a utilizar e aos objectivos a atingir.
Basta, para tanto, recordar que o realismo considera o Estado como principal e unitário protagonista que, de forma racional, procura maximizar os seus próprios interesses ou objectivos nacionais em política externa, defendendo que as matérias referentes à segurança nacional são as mais importantes, enquanto que para o globalismo, as classes, os Estados, as sociedades e os protagonistas não estatais actuam como parte do sistema económico internacional. Nestes, os factores económicos são os mais importantes, sendo as relações internacionais vistas através da perspectiva histórica, muito especialmente o desenvolvimento contínuo da economia internacional, com objectivos colocados em modelos de domínio, dentro e entre sociedades. Desde logo, a discussão do realismo foca os conceitos de poder e o equilíbrio do poder, enquanto que o globalismo acentua o conceito de dependência no contexto da economia mundial.
O conflito em análise interessa aos defensores da corrente realista na medida em que focam a sua atenção nos actuais ou potenciais conflitos entre Estados-protagonistas, examinando como se mantém, como se quebra ou como se atinge a estabilidade internacional, a utilização da força como meio de resolver as disputas e a prevenção da violação da integridade territorial. Porém, interessa sobremaneira os defensores da corrente globalista, dado que enfatizam a crítica importância dos factores económicos quando se trata de explicar a dinâmica do sistema internacional.
Desta forma, a luta pela água e pelos recursos energéticos no Médio Oriente é seguida com especial atenção, tanto por uns como por outros. Para os realistas porque se trata da segurança e da independência e soberania nacionais, e para os globalistas porque se trata de evidente condicionamento ao desenvolvimento económico.
Caso exemplar surge-nos na actuação de defesa de interesses no Médio Oriente onde não têm sido regateados esforços despendidos por alguns Estados, para garantia de fornecimento de produtos estratégicos e de protecção das suas empresas. Basta atentar que o envolvimento dos Estados Unidos na região do Golfo Pérsico, na tentativa de assegurar “preços razoáveis”, custava, ao Pentágono, entre USD30 e USD60 mil milhões cada ano (dependendo da situação), a título de defesa do Golfo, para protecção e garantia de importações do equivalente a apenas USD30 mil milhões de petróleo bruto. Por simples operação aritmética, deduz-se que, quando os Estados Unidos pagavam USD25 por barril de petróleo, como, aliás, todos os outros países importadores do produto, despendiam, cumulativamente, outro tanto, em defesa (ou mais USD50 se a situação assim o exigisse). Mais recentemente, só o custo estimado da mobilização militar dos Estados Unidos para o Golfo, durante a confrontação com o Iraque, em Novembro de 1998, atingiu os USD1,25 mil milhões.
Já anteriormente, em 23 de Dezembro de 1971, os Estados Unidos tinham assinado com o Bahrein, um Acordo relativo à utilização da Base de Jufair (onde tinham estacionado, desde 1949, uma esquadra com valor militar simbólico), cujas instalações partilhavam, até então, com a Grã-Bretanha, no qual se contemplava que (1) o pessoal americano autorizado a permanecer em terra não podia exceder as 250 pessoas e (2) a esquadra americana disporia do seu próprio centro de telecomunicações e do Aeroporto Internacional de Manama para as suas necessidades logísticas. Este Acordo foi denunciado pelo Bahrein após a Guerra de Outubro de 1973 (Guerra do Yom Kippur) e a presença da esquadra americana terminou em 30 de Junho de 1977. De seguida, em 25 de Agosto de 1977, o Presidente Carter (alterando a estratégia nixoniana da acção indirecta), ordenou a criação de várias unidades ligeiras para eventuais intervenções de comandos no Terceiro Mundo, para, em Abril de 1979, o General Rogers anunciar a existência de um Plano visando a formação de uma “força unilateral” de 100.000 homens, nesta mesma perspectiva.
O Presidente Carter, já tinha declarado perante uma Sessão conjunta do Congresso americano que, qualquer tentativa de força externa, pelo controle da região do Golfo Pérsico, seria vista como ataque aos interesses vitais dos Estados Unidos. A Doutrina Carter explicitava que o Médio Oriente continuava a ser vital para as democracias industriais.
Torna-se claro que as grandes potências têm defendido por todos os meios colocados ao seu alcance, os interesses das suas empresas actuantes neste sector estratégico, reunidas em tão ou mais homogéneo cartel do que o constituído pelos países produtores e exportadores. Pelo seu lado, estes têm tentado rentabilizar o seu produto finito e tirar dele dividendos não só financeiros como políticos.


J. Caleia Rodrigues

Diário Económico
Setembro.2001