quinta-feira, 1 de outubro de 2009

De acordo com as estatísticas da UNCTAD são anualmente transportados por via marítima 1,8 mil milhões de toneladas de petróleo bruto e 546 milhões de toneladas de produtos petrolíferos. O total de 2,3 mil milhões representa cerca de 35% de todo o comércio marítimo mundial. Se considerarmos o valor tonelada x milha o peso do petróleo e dos produtos petrolíferos ultrapassa os 40%. Noutra perspectiva, do total de petróleo bruto produzido anualmente (3,9 mil milhões de toneladas ) cerca de 60% é transportado por via marítima. Os restantes 40% são transportados predominantemente com recurso a oleodutos . Por último, refira-se que um número significativo de navios foi convertido para armazenamento de petróleo bruto em “offshore” e que as próprias plataformas de extracção são geridas por empresas da área do transporte marítimo. Do que atrás se referiu conclui-se que o sector de transportes marítimos tem na indústria petrolífera um dos seus principais clientes.
A posição estratégica das empresas petrolíferas no mercado de transportes marítimos tem sofrido alterações profundas ao longo dos últimos 30 anos. Ao longo daquele período ocorreram situações em que as empresas petrolíferas controlavam frotas de navios, através da sua propriedade ou através do afretamento a tempo por períodos longos (cinco a dez anos), e situações opostas em que 60% ou mais da capacidade utilizada pelas empresas era contratada no mercado “spot” (afretamento á viagem). Essas reorientações estratégicas decorreram de três tipos de factores: situações de excesso de oferta de navios, flutuações bruscas na procura de transporte de petróleo bruto ou de produtos petrolíferos e mudança na atitude face às questões do ambiente (poluição marítima).
Por exemplo, logo a seguir à ratificação do “Oil Polution Act de 1990” algumas das maiores empresas petrolíferas decidiram reduzir a sua propriedade directa de navios na tentativa de reduzir a sua exposição às responsabilidades que pudessem advir de futuros acidentes (caso Exxon Valdez, propriedade da petrolífera Exxon). Por outro lado, no caso Erika as autoridades francesas reagiram ordenando a prisão dos gestores da Total-Fina responsáveis pelo afretamento do navio o que veio tornar claro que a responsabilidade pode ser imputada não apenas as proprietário mas também ao afretador.
Com a aceleração do “phasing-out” dos navios de casco simples, determinada pela International Maritime Organization em 2001, e a aceitação generalizada de que navios com idade elevada representam maiores perigos para o ambiente, deu-se uma discriminação desses navios que passaram a gozar de taxas de frete mais baixas do que os restantes. Perante esta situação os armadores detectaram a oportunidade de obter fretes “premium” e colocaram em estaleiros encomendas para novas construções. Em consequência, passou-se por uma fase de fragmentação do lado da oferta com maior concorrência no mercado e as empresa petrolíferas a apostarem no mercado “spot”.
Nos últimos meses verificaram-se sinais evidentes de tentativas de controlar as taxas de frete de navios-tanque através da formação de “pools” de navios (frotas de diferentes armadores geridas de forma centralizada) e da concentração empresarial (fusões e aquisições) do lado dos armadores. A reacção das empresas petrolíferas tem sido a aposta num relacionamento com os armadores baseada em afretamentos a longo prazo por períodos de dez anos ou superiores. Alguns contratos de longo prazo são extremamente flexíveis permitindo à empresa petrolífera colocar o navio no mercado “spot” por períodos curtos com o benefício, isto é a diferença entre a taxa de frete de longo prazo e a taxa de frete “spot”, a ser dividido entre as duas partes (armador e empresa petrolífera). Outro aspecto importante é a possibilidade de fixação ou a indexação da taxa de frete de longo prazo o que constitui uma forma de “hedging” sem obrigar a soluções mais complexas como a intervenção no mercado de futuros.
Os contratos de longo prazo são uma boa solução para o armador (garantia de estabilidade nas receitas e de recuperação do investimento) e para a empresa petrolífera (redução da exposição à volatilidade das taxas de frete). Embora continuem a existir empresas petrolíferas a apostar no negócio de transporte marítimo como fazendo parte do seu “core”, como é o caso da Shell e da BP, a tendência actual dessas empresas é a concentração nos negócios de extracção e de refinação que implicam elevados volumes de investimento e envolvem riscos financeiros elevados.
Assim, para a generalidade das empresas petrolíferas a estratégia actual é obter uma combinação óptima entre afretamentos a tempo de longo prazo, afretamentos a tempo de curto prazo (seis meses a um ano) e contratação “spot”. A proporção de cada tipo de afretamento depende da política de compras de petróleo bruto, da existência ou não de origens dominantes e da capacidade negocial com os armadores.
No entanto, existem no negócio de transporte de petróleo bruto e produtos petrolíferos vários segmentos e em cada um é possível encontrar comportamentos distintos da procura e oferta.

J. Caleia Rodrigues no livro “Petróleo - Qual Crise? ” afirma: “Quando ouvimos falar de crise de petróleo deparamo-nos com um perigoso equívoco. Não parece que esta escassa e finita matéria-prima, ou mesmo o sector petrolífero, estejam a passar por uma crise que, por definição, é transitória. Nada se pode comparar com boicotes, choques petrolíferos ou consequências de pontuais situações políticas vividas no passado“. O crescente interesse de várias sociedades financeiras na Alemanha, na Holanda e no Reino Unido no apoio a projectos de investimento em navios-tanque vem de encontro àquela afirmação e traz boas perspectivas para este importante segmento do sector de transportes marítimos.

Fernando Grilo
In Transportes em Revista 43; Setembro 2006