terça-feira, 4 de março de 2008
O medo fez subir os preços (Público "Discurso Directo", Entrevista, 8.Maio.2006)
Publicada por José Caleia Rodrigues à(s) 17:53
Em que medida a subida do preço do petróleo nos últimos dois anos não é mais um choque petrolífero, como aqueles verificados em 1973 ou 1979-80?
O petróleo já sobe desde 1998, há seis anos. De 1998 para 2000, o preço duplicou. De 2000 para 2004, subiu mais de 60 por cento. Do meu ponto de vista não estamos a atravessar uma crise como a de 1973, uma vez que, por definição, as crises são passageiras. Não podemos falar de uma crise porque não há uma rotura de abastecimento do mercado, este está a ser perfeitamente abastecido. No sector do petróleo existem, sim, constrangimentos fortíssimos, que podem e vão ser ultrapassados. O mercado é que tem factores exógenos que provocam todas estas variações. O petróleo, porque é um produto estratégico, está sujeito à pressão de vários factores, nomeadamente geopolíticos. Hoje, por exemplo, porque pode vir a acontecer um conflito entre dois países [Estados Unidos da América e Irão], o mercado entrou numa situação de pânico. Se só há constrangimentos no sector, se o petróleo continua a fluir, se o custo de transporte por oleoduto não está indexado à procura (é um custo fixo), se nada disso acontece os preços subiram por medo daquilo que possa vir a acontecer, não por razões ligadas ao sector.
Mas estes acontecimentos exteriores têm um grande impacto porque, do lado da oferta, o mercado percebe que o sector está muito pressionado...
Sim, o sector está muito apertado devido a vários constrangimentos, mas o petróleo bruto convencional ou petróleo leve [mais fácil de extrair e refinar] não está em extinção, embora as reservas estejam a diminuir substancialmente. Desde a Pensilvânia e Baku [locais das primeiras descobertas de petróleo, nos EUA e no Cazaquistão respectivamente], ou seja, nos últimos 125 anos, consumiu-se um trilião de barris. Nos próximos 35 anos vamos consumir outro trilião de barris, até à extinção. De reservas comprovadas temos petróleo convencional por mais 50 a 60 anos.
Quais são esses “constrangimentos” que pressionam o sector?
Como constrangimentos temos um longo período de muito baixo investimento, em novas descobertas, em extracção, em transporte e, sobretudo, em refinação. Só para inventariação de uma nova concessão, com ensaios sísmicos, já se gastam uns milhões de dólares. A extracção é feita muitas vezes em regiões sem segurança o que obriga as empresas petrolíferas a fazer a sua própria segurança. Depois, temos o pouco investimento em transporte. Um oleoduto tem custos por quilómetro equivalentes a uma auto-estrada, são biliões de dólares para transportar o petróleo por milhares de quilómetros. Por fim, há fortíssimos constrangimentos na refinação. Mesmo que queira aumentar a entrega de petróleo ao mercado, a capacidade de refinação instalada está hoje muito próxima da entrega total ao mercado, funcionando como um estrangulamento. Enquanto em 1982 estava a produzir à volta de 60 milhões de barris diários e tinha uma capacidade instalada no mundo para 80 milhões, hoje a produção chegou perto dos 80 milhões e a capacidade não aumentou. Temos, assim, constrangimentos do lado da oferta e, por outro lado, uma procura incessante.
O que é que explica esta ausência de investimento na capacidade de refinação?
Na refinação há dois tipos de causas, o ambiente e (?...). Mas, o factor principal é o ambiente. Hoje, para instalar uma refinaria no mundo as coisas são complexas. Em 1982, os Estados Unidos tinham cerca de 320 refinarias, hoje têm 150, têm menos produção. E as refinarias existentes estão no limite da sua capacidade, logo não podem suportar aumentos de produção.
Faz parte do grupo dos pessimistas que advogam a teoria do apocalipse com o esgotamento do petróleo, conhecida por “peak oil”?
Sou contra. Porque é um exercício matemático muito interessante e apenas isso. Pode prever-se um esgotamento em 50 anos do petróleo leve, que até poderá esgotar-se em 30 ou 35 anos, mas temos ainda o recurso ao petróleo pesado, que será inesgotável por umas centenas de anos. Por outro lado, em aplicações em que não sejam absolutamente exigíveis os combustíveis fósseis, nós podemos ter recurso a electricidade a partir de outras fontes energéticas. O “peak oil” é um exercício de pessimismo alarmista.
Enquanto cartel, a OPEP mantém o seu poder de mercado intacto, mesmo com a emergência de novos países produtores à margem da organização, como a Rússia?
A OPEP ainda produz 50 e tal milhões de barris diários e as reservas comprovadas darão para quase 70 anos. Mas, precisam de grandes investimentos para conseguir mais produção. A OPEP não tem hoje a força que tinha não só porque a Rússia entrou no mercado com muita força, mas porque, quando falamos de OPEP, estamos a falar de petróleo leve. Pelo lado do petróleo pesado é que as coisas irão mudar. As reservas russas em petróleo leve e a Venezuela e o Canadá no petróleo pesado serão os players do futuro e é com esses que tem que se contar. Na Venezuela já estão as principais petrolíferas mundiais.
Mas esse é o petróleo pesado, é mais caro de extrair e de refinar...
Quando digo que a Venezuela será um player do futuro é porque a faixa do rio Orinoco, que tem uma dimensão à volta de dois terços do nosso país, tem reservas imensas. A extracção é mais cara porque exige injecção de vapor de água, o que na situação da Venezuela é o melhor que lhe poderia ter acontecido. Primeiro porque tem no rio Orinoco água com fartura. Depois, porque tem a mega-barragem do Guri, com energia eléctrica que chega e sobra, de origem gratuita, para injectar o vapor e vender o seu petróleo. Está na melhor posição do mundo para, no futuro, para dominar o mercado. À medida que o tempo passa, o petróleo leve terá dificuldades e cada vez mais o pesado irá ser utilizado. Mas, não será nunca uma alternativa mais barata. A alternativa com um método de extracção mais caro não irá fazer baixar o preço, irá sim continuar a fazê-lo subir. É essa a tendência de longo prazo.
As inovações tecnológicas na indústria petrolífera, ao nível da extracção e produção de combustíveis, poderão suavizar o declínio das reservas petrolíferas hoje conhecidas?
O consumo de petróleo divide-se em 60 por cento para transportes e 40 por cento para produção de energia eléctrica e para a indústria. O que tem vindo a ser feito em termos de inovação é trabalhar nos 40 por cento, uma vez que a produção de energia eléctrica pode ser feita sem recurso ao petróleo. Mas, a extracção do petróleo leve é cada vez mais cara e traz problemas ambientais. O Árctico é hoje um grande depósito de petróleo, mas a extracção, que já está a ser feita, tem riscos ambientais e custos elevados. A questão é que não devemos tocar no Árctico. Só a circulação de veículos já é suficiente para causar danos ambientais, dizem os ambientalistas. A calote de gelo do Árctico era de 3,10 m de espessura média há trinta e poucos anos e está nos 1,9 m. É uma zona muito sensível.
Para produção de electricidade, a energia nuclear é uma hipótese...
Pode ser nuclear ou eólica. A nuclear tem os seus riscos, mas nós temos na Europa Ocidental 146 reactores. Só na Bélgica há sete, a França tem 59, o Reino Unido tem 31, a Alemanha tem 19 e a Espanha tem nove. É uma alternativa possível. A eólica é aquela pela qual os portugueses enveredaram e, quanto a mim, muito bem, para reduzir o peso do petróleo na produção de electricidade. Pelos números que me chegaram, nós duplicamos num ano a capacidade eólica instalada, estando hoje Portugal classificado em 11º no ranking mundial, com a Alemanha e a Espanha à cabeça. É por aí que podemos trabalhar para reduzir a dependência nos 40 por cento de petróleo consumidos “extra transportes”.
Portugal tem andado desatento em termos de política energética? Que razões encontra para a ausência de uma estratégia nacional nos últimos anos num sector tão importante como o da energia?
Andámos adormecidos a pensar noutras coisas. Quando nós temos um produto de que dispomos e supomos que não há problema com ele, distraímo-nos. Mas deveríamos ter estado atentos ao choque petrolífero de 1973. Pela leitura do que nos aconteceu nessa altura, com o embargo, as coisas poderiam ter sido tratadas de outra maneira, com mais atenção. Eu estive em missão na África do Sul e tive ocasião de constatar como este país resolveu a sua situação de dependência. Em 1973, ainda tinham o Irão como aliado, uma vez que o xá Reza Pahlevi era muito amigo dos sul-africanos e continuava a abastecê-los. Porém, mesmo antes de 73, a África do Sul já havia previsto que alguma perturbação poderia acontecer e optaram por uma alternativa. Como dispunham de quantidades de carvão enormes, adoptaram um sistema para sintetização do carvão e produção de combustíveis sintéticos, para agregar à gasolina. Em qualquer altura têm o país salvo com esse recurso e, na crise de 1979, foi isso mesmo que aconteceu. Eles seguiram por este rumo e outros decidiram de outra forma, pelo nuclear. Nós, por outro lado, não temos pensado muito nisso. E isto são problemas que se resolvem apenas a longo prazo, os resultados não são imediatos. Se fizer agora investimento no que quer que seja, só daqui a 15 anos é que vai ter o resultado. O que estamos a fazer nas eólicas é óptimo. A produção de energia eléctrica através da energia eólica em Portugal em 1995 era zero e, em 2004, já representava cinco por cento. Prefiro a eólica à solar é porque pela eólica nós podemos produzir grandes quantidades de electricidade, enquanto a solar nos permite abastecer casa a casa. A produção de energia hídrica é que baixou. Nós temos sol, temos vento, temos água e cada país deve recorrer ao que tem. Usar os recursos dos outros... podemos pagar, mas ficamos muito dependentes.
A China e a Índia são realmente os “maus da fita”, responsáveis pelo aumento cada vez maior da procura de petróleo?
A China e a Índia representam mais de metade da população mundial e são países com quem se deve ter um bom relacionamento. Não são os “maus da fita”, trata-se apenas de estratégias económicas e geopolíticas. Os EUA consomem cerca de um quarto do petróleo mundial e importam dois terços do que consomem. No meu ponto de vista, o fiel da balança de poder está a desviar-se para o eixo Sino-Russo. Enquanto os russos e os chineses se olhavam de lado, a China desenvolveu-se pelos seus próprios meios. Mas hoje, para continuar o seu desenvolvimento económico, a China tem um défice de cerca de três milhões de barris diários. A negociação para o abastecimento à China e ao Japão (com a Índia as coisas ainda não estão completamente resolvidas) levou 12 anos a ser concluída. Em Janeiro deste ano, o presidente Putin garantiu um oleoduto à China, com um desvio para o mar do Japão. Abastece a China e o Japão, cumprindo a quase totalidade das necessidades chinesas e uma parte mais pequena das japonesas. Graças à Rússia, a China tem hoje todas as condições necessárias para garantir o desenvolvimento económico continuado. Este novo eixo está a sobrepor-se, em interesse, aos países ditos industrializados, que estão a ser relegados para segundo plano.
O que explica uma das chamadas de capa do seu livro, segundo a qual “China e Rússia estão a esmagar o orgulho ocidental”...
A Rússia tem uma capacidade instalada que lhe permite aumentar a produção, ao contrário da Arábia Saudita que tem a capacidade de extracção esgotada (só com novos investimentos é que pode aumentar a produção). O grande desequilíbrio quando falava em Rússia e EUA é que os EUA importam mais de nove milhões de barris diários, enquanto a Rússia exporta quatro milhões, sem ter ainda começado a fornecer à China. Quando dizemos que os EUA importam diariamente nove milhões de barris, estamos a falar de 630 milhões de dólares diários. Em contrapartida a Rússia exporta 300 milhões de dólares diários. Além disso, a extracção suplementar de petróleo para a China e para o Japão, assim como os oleodutos, são financiados pelo Japão e pela China, com pouco investimento russo. Os americanos, por outro lado, para garantir o fornecimento ainda têm que pagar a segurança. Ou seja, os custos para os EUA e os benefícios para a Rússia e China têm todos os ingredientes para que a balança de poder se altere, não pela força mas pela economia.
Como vê a cada vez maior influência, em termos energéticos, da Rússia sobre a União Europeia (UE)?
A União Europeia não tem uma política comum. No mosaico de países que constituem a Europa Ocidental, cada um tem o seu problema para resolver. A Grã-Bretanha é auto-suficiente e exporta, assim como a Dinamarca, a Noruega (que é o terceiro produtor mundial). Estes três países estão muito bem. Quando a Rússia fizer alguma pressão serão eventualmente os alemães, que pretendiam um abastecimento russo directo, os mais prejudicados. Nas outras áreas, cada um vai fazendo o que pode. O problema não é global na Europa, cada um tem o seu problema. Uns têm petróleo, outros resolveram por outra via e outros não fizeram coisa nenhuma e esses estão com mais dificuldades.
Tendo em conta que a energia passou a ser uma questão de segurança nacional, e que os EUA já discutem a criação de uma “proto-NATO” para a energia, não é de estranhar o silêncio da União Europeia sobre este assunto?
As discussões no seio da UE são uma coisa muito complexa. Em 2004, a UE produziu 2,5 milhões e consumiu 14,5 milhões e meio – teve 12 milhões barris diários de défice. Em gás natural tiveram 255 biliões de metros cúbicos de gás. Mas, nestes números, tem a Dinamarca e o Reino Unido sem problemas. Cada um tem as suas vantagens e dificuldades específicas e vai ser difícil chegar a acordo por causa disso, é uma área muito sensível. Os EUA são estados unidos, criaram-se com várias guerras, entenderam-se e têm um governo central que fala por eles. A UE é um convénio, entenderam prescindir de alguma soberania e conseguir um mercado comum. Depois, os EUA podem ter muito mais urgência que os europeus para agir desta forma, porque importam cerca de 24 por cento da quota mundial de petróleo. Eles têm um problema efectivo, o problema deles é grave. Não só pelo que têm que pagar pelas importações, mas também porque são quem paga pela segurança do abastecimento.
Para caixa:
Qual será a factura a pagar por Portugal?
As coisas não se resolvem num ano. Tem sido feitos investimentos em concessões, quer na petrolífera nacional, quer na outra privada. Nós há quatro anos pagámos metade do que pagámos este ano, pela mesma quantidade. Em 2002, 2,2 milhões de euros e em 2005 quase quatro mil milhões de euros por ano. São vários TGV’s cada ano. E são os consumidores que vão pagar. Quem investe tem de ser remunerado e é por aí, pelo lado do consumidor, que será remunerado.
Numa das chamadas de capa do seu livro lê-se “Reveja o seu Modo de Vida”. Em que medida o aumento do preço do petróleo vai obrigar a essa revisão dos hábitos de consumo?
A educação, a indução de informação leva algum tempo. Quando os preços dos produtos atingem determinados níveis que nós não podemos pagar, nós engendramos uma forma de resolver a situação. A dificuldade desenvolve o génio. Quando falamos de energia e falamos numa alternativa, os transportes públicos podem ser com energia de origem eléctrica (metro e comboios). Agora, o que fazer, como orientar, são coisas de sociologia. Eu aí só posso pensar o que faria. A nossa estrutura de vida está com pessoas a viverem a 50 ou 60 quilómetros do local de trabalho. Vai ser difícil manter uma situação dessas. Vai ser penoso.
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