sábado, 1 de março de 2008

Encontramo-nos hoje, aqui, para debater a envolvente de um produto comercializável que cairia na esfera do marketing internacional, logo sujeito às leis do mercado da oferta e da procura, se não se tivesse tornado num dos mais preponderantes produtos estratégicos.
O que o torna estratégico é a sua influência na soberania e na segurança nacionais.
Contrariamente aos mais tradicionais aspectos de segurança dirigidos às ameaças que vêm do exterior, muitos dos correntes acontecimentos que tocam na segurança nacional, enfatizam o aumento das ligações entre o domínio doméstico e o internacional. Para tanto, basta ver como as expectativas económicas são cada vez mais realçadas pelas populações e como, frequentemente, não podendo ser encontradas nos próprios recursos do Estado, ao ser exigidas aos Governos e não encontrando suficiente satisfação, podem criar instabilidade interna e consequente aumento da insegurança.
Esta não é, seguramente, a ocasião mais adequada para desenvolver as questões políticas inerentes à soberania e à segurança do Estado, nem mesmo as implicações de ordem ambiental, quando nos referimos ao petróleo, como produto estratégico.
Portanto, vou circunscrever-me ao produto, ao mercado, aos mega-investimentos requeridos e aos seus efeitos colaterais, como soi dizer-se.
É este o objectivo do nosso encontro de hoje.
Desde logo, não posso deixar de começar por sublinhar que quando ouvimos falar em crise de petróleo deparamo-nos com um perigoso equívoco.
Não parece que esta escassa e finita matéria-prima, ou mesmo o sector petrolífero, estejam a atravessar uma crise que, por definição, é transitória. Nada que se possa comparar com boicotes, choques petrolíferos ou consequências de situações políticas pontuais vividas no passado.
Podemos e devemos encarar a situação como consequência natural da desenfreada intensificação e descontrolada massificação da utilização do petróleo, acompanhada por um demasiado longo período em que o investimento não acompanhou a taxa de crescimento da procura.
A explosão demográfica aliada à exigência de perpetuação dos altos níveis de vida conseguidos nos países ricos e à pretensão de os atingir, reclamada pelos países pobres, introduziram aberrantes pressões no fornecimento estabilizado e continuado dos recursos naturais à escala mundial. Estas pressões provêm tanto da privação como das dimensões ecológicas do drama populacional, igualmente importantes na nossa concepção do mundo como população global.
Os analistas são unânimes em concluir que a utilização dos recursos naturais aumentaram de forma exponencial.
O consumo dos recursos disponíveis e indispensáveis à manutenção do conjunto humano, continua a aumentar, em muitas regiões, em ritmo superior ao aumento populacional.

Slide 2: População mundial

Enquanto a população mundial quadruplicou desde 1900, a energia industrial consumida per capita, apesar de desigualmente repartida, aumentou mais de sete vezes durante o mesmo período e a energia total consumida aumentou quase catorze vezes.
A energia assumiu, portanto, uma posição dominante na extensa agenda política económica, demasiado rapidamente para que permitissem ser encontradas vias de estabilização. Não parece difícil admitir que, nas suas várias formas, apresenta-se como sinónimo de desenvolvimento económico e, ainda mais, de riqueza e prosperidade. Consequentemente, o acesso e controlo dos recursos energéticos constituem uma preocupação central dos governantes e de todos aqueles que se encontram envolvidos em processos de produção industrial.

Slide 3: Recursos naturais disponíveis - Repartição por regiões (ano 2004)

O petróleo tornou-se mercadoria-chave do comércio internacional e quando os consumidores pretenderam voltar a dispor de abastecimento seguro, não tiveram outra saída que não fosse a de criar condições sob as quais a “política petroleira” se pudesse desenvolver.
Na realidade, foi devido a esse processo que as políticas petroleiras foram colocadas no topo da agenda política mundial durante os anos 70 e 80. O que fizeram, reflecte a complexa interligação de tendências e acontecimentos em diferentes centros, envolvendo uma diversidade de agentes, tanto estatais, como não-estatais. Por outro lado, as grandes multinacionais petrolíferas, que durante tanto tempo tinham exercido uma dominante influência na indústria petrolífera, foram confrontadas, durante os anos 50 e 60, com a redução de receitas, quando o preço do petróleo desceu.
Ao mesmo tempo, o crescendo de nacionalismos no antigamente chamado Terceiro Mundo influenciou a atitude dos Estados produtores de petróleo que começaram a exigir maiores receitas e mais eficaz controlo dos seus recursos petrolíferos. A principal manifestação deste desenvolvimento foi o colossal papel desempenhado pela associação dos maiores produtores exportadores, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), no embargo imposto em 1973.

Slide 4: OPEP - Evolução da produção (anos 1960-2004)

Tornou-se, rapidamente, bem claro que a OPEP poderia começar a usar o seu reencontrado e renovado poder, actuando nos fornecimentos e nos preços, pondo em risco a segurança económica dos Estados industrialmente desenvolvidos. Poderiam, eventualmente, ter sido usadas políticas macroeconómicas para amortecer as consequências do choque provocado pelo aumento dos preços. Este, por se ter apresentado com tão grande dimensão, fez aumentar os factores de produção em todos os países importadores dependentes
O segundo choque petrolífero, o de 1979, ainda foi mais devastador que o primeiro. Contou-se, porém, com a preciosa ajuda da Noruega que passou de uma produção diária de cerca de 500.000 barris para os 3,5 milhões, o que a colocou, mesmo que transitoriamente, no importante lugar de terceiro maior exportador de petróleo bruto convencional, à escala mundial, logo a seguir à Arábia Saudita e à Rússia.
Trinta anos depois do impacto da deflagração dos choques petrolíferos na política internacional, o petróleo mantém-se como produto estratégico crítico, na esfera do equilíbrio de poder e do equilíbrio político internacional global.
Surgiram, entretanto, novos actores na cena internacional: a China e Índia, que comportam um terço da população mundial e estão dependentes do petróleo para dar continuidade aos seus programas de desenvolvimento. Estes novos consumidores gigantes sobrepuseram-se às economias industrializadas que foram relegadas para lugar secundário na ordem das prioridades a satisfazer.
Se surgiram novos grandes mercados consumidores dependentes, também surgiu a Rússia a disputar a liderança do mercado, baseada nas suas imensas reservas localizadas no Árctico e na Sibéria Oriental, recentemente activadas.

Slide 5: Petróleo bruto convencional - Maiores produtores (ano 2004)

A crescente luta pelo domínio do mercado entre a Rússia e a Arábia Saudita vem confirmar o choque que se está verificando entre duas diferentes e importantes civilizações, envolvendo dois concorrentes actores da actual agenda internacional.
Admite-se, como dado adquirido, que ambos os governos são fortemente dependentes dos recursos gerados pelas suas exportações de hidrocarbonetos.
Perante estas premissas, Riyadh poderá ter cometido um colossal erro táctico ao tentar pressionar Moscovo com a ameaça de uma guerra de preços de que se poderá vir a sair mal.
A Rússia que já detém a liderança do mercado mundial do gás natural com uma quota de 22 por cento, está em vias de conseguir idêntica posição no mercado do petróleo bruto, dado que pode vir a atingir, a muito curto prazo, valores cerca dos 10 milhões de barris diários, o que, na actualidade, corresponde a 12,5 por cento do total mundial produzido.
A descoberta do novo e importante campo petrolífero na bacia Timan-Pechora, localizada no nordeste russo, margem ocidental dos Urais, com reservas estimadas em cerca de 40 biliões de barris, pode vir a constituir considerável ajuda aos dependentes mercados ocidentais, nomeadamente da Europa e dos Estados Unidos.
Desde logo, a Arábia Saudita e outros Estados-membros da OPEP podem supor que a cooperação russa pode vir a falhar nos seus intentos de domínio do mercado internacional. Encorajados pelos ganhos obtidos na sua cooperação com o México, Noruega e Oman, ao sobreabastecer o mercado em 1998, podem errar na sua leitura da actuação da nova Rússia. Esta pode encontrar-se melhor posicionada financeiramente do que em tempos anteriores, mas, mesmo assim, o Governo ainda não está suficientemente forte para poder impor opções conjunturais às exportações petrolíferas do seu país. Nem se encontra ainda tão dependente das receitas petrolíferas que seja forçado a cooperar com os sauditas.
Graças ao potencial crescimento da procura asiática e norte-americana, parece haver espaço para ambos. Os produtores russos e sauditas podem vir a ganhar mercado se cooperarem efectivamente. Porém, será indispensável que as políticas seguidas por Moscovo e Washington conduzam à reestruturação do quadro internacional.
Apesar das reservas comprovadas do petróleo russo não serem tão abundantes como as sauditas e da sua extracção ser mais cara, são, porém, mais vastas do que geralmente se considera. A actuação das forças do mercado dinamizaram uma transição operada no sector petroleiro russo que lhe permitiu não só desafiar a OPEP e a Arábia Saudita, como também captar a parte de leão da quota de crescimento da procura chinesa, indiana e, eventualmente, dos Estados Unidos através das suas joint ventures.
A China resolveu a sua rede interna de distribuição de gás exigível para a distribuição e exportação, quando a maior empresa do seu sector petroleiro, a Petrochina, assinou, em meados de 2002, um contrato avaliado em 20 biliões de dólares, com um consórcio liderado pela Shell, do qual fazem parte a americana ExxonMobil e a russa Gazprom, para a instalação de um gasoduto com uma extensão total de cerca de 4.000 km que permitiu começar a transportar 12 biliões de metros cúbicos de gás natural anuais, desde a Bacia Tarim em Xinjiang, nos desertos do Norte, até Shanghai, na Costa Leste, atravessando os rios Yangtse e Amarelo.
A situação também está bem encaminhada no que se refere ao petróleo de que é deficitária em recursos próprios. Recorde-se que a produção chinesa é de apenas 3,5 milhões de barris/dia, enquanto o consumo atinge os 6,7 milhões.
Porém, para desanuviar a tensão, a petrolífera russa Yukos assinou um contrato com a sua congénere chinesa para a venda de 5,13 biliões de barris de petróleo bruto a entregar entre 2005 e 2030, através do oleoduto que liga os campos petrolíferos da Sibéria ocidental aos chineses de Daqing, numa extensão de 2.400 km.
A partir destes contratos, a China passa a receber anualmente 586 milhões de barris/ano dos campos petrolíferos da Sibéria a somar aos 146 milhões de barris/ano dos campos petrolíferos do Kazaquistão. Estes novos abastecimentos seguros e permanentes, correspondem à entrada de mais 2 milhões de barris/dia, suprindo o deficit chinês de recursos próprios desta estratégica matéria, indispensável à sustentabilidade do seu actual nível de desenvolvimento económico.
Por outro lado, para satisfazer igualmente a pretensão japonesa, o presidente Russo Vladimir Putin anunciou, no início deste ano, que a construção da primeira fase do oleoduto Tayshet-Nakhodka seria iniciada no Verão deste mesmo ano e que esse ramal da linha básica em direcção a Daqing seria o primeiro a entrar em serviço.
A culminar os doze anos de maratona negocial do percurso dos oleodutos, todos os três países intervenientes saíram satisfeitos.
Desta forma, quer a China, quer o Japão, vêem os seus interesses assegurados pela Rússia e obtêm a garantia de receber os pretendidos e desejados abastecimentos a partir do petróleo siberiano.
A estratégia russa não esqueceu os interessas ocidentais, se bem que em menor escala com a instalação do citado oleoduto, que também permitirá exportar petróleo siberiano para a costa ocidental dos Estados Unidos.
Sublinhe-se que a situação actual do sector petrolífero dos Estados Unidos não é brilhante, dado que passou de leader do mercado, nos bons velhos tempos, a rapidamente dependente da importação de nada menos do que dois terços das suas necessidades actuais.

Slide 6: Estados Unidos - Evolução das disponibilidades e consumo

A alternativa constituída pela exploração do Árctico choca frontalmente com os interesses ambientais da região, ainda não resolvidos. O último estudo publicado pela Energy Information Administration revelam a existência de petróleo bruto convencional no Arctic National Wildlife Refuge, actualmente fora dos limites de exploração de petróleo, em quantidades entre 5,7 e 16 biliões de barris em reservas jazentes naquela zona.
Estes desenvolvimentos conduzem a novos debates acerca do verdadeiro significado da segurança e que tipo de relações duráveis será agora possível entre consumidores e produtores, de modo a que possam, a longo prazo, vir a satisfazer os interesses de ambos. A Guerra do Golfo ilustra, igualmente, tanto o crítico posicionamento do petróleo no equilíbrio de poder global, como a importância da interdependência entre produtores e consumidores industrializados.
As medidas efectivas de conservação (especialmente na Europa e no Japão) e o abrandamento do desenvolvimento económico verificado desde então não se eternizam e, conscientes da possibilidade de novos choques petrolíferos em termos de acentuado agravamento dos preços de mercado e da imposição de reduções de fornecimento, será imprescindível encontrar novas fontes e novas formas de conservação de energia.
Note-se que o sector dos transportes (rodoviários, aéreos e marítimos) consome, actualmente, cerca de 60 por cento da produção mundial, quando, 30 anos antes, só consumia 42 por cento. Tem sido exercido um grande esforço para conseguir meios de transporte menos “glutões”, ao mesmo tempo que se têm desenvolvido as origens alternativas para geração de energia eléctrica, responsável por uma boa parte dos restantes 40 por cento.
Contudo, a delapidação dos recursos globais é excessivamente desigual e a distribuição dos recursos naturais vitais não é equitativa nem razoável.

Slide 7: Petróleo bruto convencional - Reservas comprovadas

As disponibilidades são abundantes, mas apresentam-se desigualmente distribuídas entre países e povos, mesmo dentro das suas próprias fronteiras políticas, estas raramente coincidentes com fronteiras naturais.
Enquanto o aumento do conjunto populacional do mundo economicamente menos desenvolvido induz consumo de recursos é, contudo, nos países economicamente desenvolvidos que se verifica maior delapidação. Os actuais padrões de produção e de distribuição vigentes nos países ditos industrializados, muito provavelmente não poderão continuar a ser mantidos por muito mais tempo e a tendência para a imitação por parte dos restantes irá causar irreparáveis danos ecológicos.
As estratégias a implementar a curto e a médio prazo obrigarão, inevitavelmente, à vivência de um longo e penoso período de transição.
Poderão ter que ser implementadas importantes transformações básicas na utilização dos recursos e na substituição dos recursos exauridos, simultaneamente com mudanças a introduzir a nível dos usos e costumes, quer sejam em base individual, de grupo, empresarial, social, regional ou até mesmo à escala do sistema internacional global.
Um grupo de pessimistas, composto maioritariamente por muito respeitados geólogos, físicos e financeiros, previu uma espécie de apocalipse, seguindo uma teoria da conspiração, ao afirmar peremptoriamente que a civilização, tal como a conhecemos, está atingindo um rápido fim. È esta a razão de ser dos pessimistas, individualmente conservadores, que se apresentam absolutamente terrificados com uma teoria bem defendida, designada globalmente como “peak oil”. Ou seja, a produção mundial partiu de um baixo montante verificado na década de 1950, atingiu o seu máximo à volta do ano 2000 e voltaria a atingir um mínimo idêntico, à volta do ano 2050. Cerca do ano 2020 estaria aos níveis de 1980, numa simetria de declínio matematicamente correcta, do seu ponto de vista.

Slide 8: Consumo mundial: Realizado (1960-2004) e previsível (2005-2025)

Sem pessimismos exagerados, temos, porém, que aceitar um facto incontestável: o primeiro trilião de barris disponíveis desde as primeiras descobertas em Baku e na Pensilvânia em finais do século XIX, foi consumido nos primeiros 125 anos e bastarão apenas 30 anos para consumir o segundo trilião.
É evidente que se trata de um produto finito que constitui uma origem de energia não renovável, mas um tal tipo de previsão a 50 anos nesta matéria, mais parece profecia de apocalipse bíblico do que reflexão que considere todos os outros parâmetros de ordem económica, tecnológica e de investigação.
Efectivamente a situação criada pela delapidação dos recursos petrolíferos é preocupante. Basta reparar, apoiando-nos apenas nos grandes números, que a produção mundial anual de petróleo bruto convencional foi de quase 17 biliões de barris no ano de 1970, para atingir mais de 26 no ano 2004, correspondendo a um aumento anual de 50 por cento no curto espaço de 34 anos.
As previsões da Energy Information Administration (EIA) apontam para um consumo da ordem dos 43 biliões de barris em 2025. Mais 20 anos, mais 65 por cento de aumento.
Neste contexto, exige-se a prospecção e inventariação de novas bolsas tecnicamente possíveis de exploração e economicamente viáveis, nomeadamente ao nível do petróleo não-convencional constituído pelos betumes, xistos betuminosos, petróleos pesado e extra-pesado, disponíveis em grandes quantidade no Canadá e na Venezuela, ou mesmo a obtenção de combustíveis líquidos a partir da sintetização do carvão.
O que exigirá um esforço financeiro verdadeiramente notável.

Slide 9: Petróleo bruto convencional - Reservas comprovadas (2004)
Tempo de esgotamento

O tempo foi decorrendo e a exaustão dos recursos disponíveis forçam a orientação para fontes energéticas até então relegadas para segundo plano de prioridades a accionar no sector petrolífero.
Comecemos pelo lote de constrangimentos com que este sector se debate e vejamos de seguida as opções que se apresentam disponíveis.
Uma das maiores dificuldades que a indústria petrolífera enfrenta na actualidade, está relacionada com o terrorismo internacional e com as acções dos activistas que ameaçam a indústria petrolífera em todos os domínios da fileira: poços e plataformas de extracção, pipelines e vias marítimas de transporte, refinarias e depósitos de produtos refinados.
O aumento de riscos sofridos por ocorrências perturbadoras conjunturais levou muitas empresas a implementar o seu próprio sistema de defesa quando actuam em ambientes hostis e onde as forças de segurança locais são consideradas ineficazes. As petrolíferas enfrentam riscos acrescidos quando se deslocam para regiões politicamente mais instáveis em busca de novos recursos. Tem sido largamente publicitado que os gestores das empresas têm que negociar com raptores e movimentos guerrilheiros em África e na América Latina, ou enfrentar a ameaça de ataques terroristas no Médio Oriente e na Ásia Central.
Podem adicionar-se a este tipo de ameaças, os actos de pirataria que ocorrem no Estreito de Malaca, uma das mais importantes rotas marítimas de transporte de hidrocarbonetos.
No conjunto de constrangimentos a ultrapassar, procede, porém, a considerável questão de como conciliar o continuado aumento da utilização da energia de origem nos hidrocarbonetos com os imperativos ecológicos e ambientais. Caso paradigmático é o conflito de interessas inerentes à manifesta vontade de extracção dos imensos recursos disponíveis no Árctico ou a construção premente e urgente de novas e mais adequadas refinarias.
Como podemos ver no Quadro, a refinação foi o único componente que não acompanhou o desenvolvimento do sector.

Slide 10: Petróleo bruto convencional
Reservas, Produção, Refinação e consumo (1970-2003)

Também continuamos à espera da resolução das críticas situações decorrentes da partilha do Mar Cáspio e da encruzilhada vivida no Afeganistão, apenas possíveis de tratar na arena política internacional.
A questão dos oleodutos também é fundamental.
Numerosos países que dispõem de vastas reservas comprovadas estão impedidos de exportar as suas potenciais produções por não disporem das indispensáveis vias de escoamento, resolúvel pela simples construção de oleodutos, a que se agrega, nalguns casos, instalações portuárias adequadas. A título de exemplo, veja-se a adjudicação da construção do oleoduto de 960 km de extensão, para ligação do campo petrolífero do Chade à costa atlântica dos Camarões, que permitirá a exportação de 225.000 barris diários. O custo estimado em 3,7 biliões de dólares foi parcialmente financiado pelo Banco Mundial.
Em grande parte dos casos, os oleodutos ligam um ponto de produção a um mercado consumidor. Ponto a ponto. Qualquer acção terrorista num qualquer tramo do oleoduto, bloqueia completamente o fluxo de abastecimento. Esta situação poderá vir a ser resolvida com a implementação de uma rede primária interligada em malha (anéis), semelhante às que foram concebidas para a energia eléctrica, para que quando surja uma situação de bloqueio num oleoduto (ramal) seja possível a continuidade de fornecimento através da rede interligada. Os elevadíssimos custos a suportar têm impedido tal qualidade de garantia de abastecimento seguro e continuado.
No que se refere aos produtos disponíveis, ainda não globalmente desenvolvidos, destacam-se os petróleos não-convencionais e os combustíveis líquidos a partir da sintetização do carvão natural.
Uns e outros muito abundantes em reservas já comprovadas.

Slide 11: Petróleos pesados e betume

O grande óbice à utilização maciça dos petróleos não-convencionais reside nos custos de extracção e de processamento. No que se refere à sintetização do carvão os custos de processamento são elevadíssimos.
Ambos exigem um grande esforço financeiro de retorno a longo prazo.
Recorde-se que o petróleo convencional (leve) a caminho de um rápido esgotamento dispõe de uma característica fundamental inultrapassável: existente num jazigo petrolífero sob pressão, jorra de um furo que atinge a bolsa que o contém, sem necessidade de grandes operações complementares para extracção e processamento ou de tecnologia específica. Daí o seu baixo custo operacional que, na maioria dos casos, se situa entre os 2 e os 10 dólares por barril.
Enquanto o petróleo bruto convencional atinge taxas de “energia obtida/energia investida” de cerca de 30 para 1, o retorno nos betumes e petróleos pesados só atinge a taxa de 1,5 para 1. Conclui-se que é preciso gastar 20 vezes mais energia para gerar a mesma quantidade de petróleo não-convencional do que a gasta na obtenção do petróleo convencional.
A indústria petrolífera requererá níveis de investimento muito mais elevados do que durante o passado recente, para compatibilizar a satisfação da procura com as exigências ambientais.

Slide 12: Mega-investimentos requeridos

A nova dimensão de segurança entre nações exportadoras e as empresas petrolíferas, surgirá da interligação do investimento, do comércio e da finança. Os produtores procurarão obter dos países consumidores: o capital, a tecnologia e a competência técnica, ao mesmo tempo que abastecerão os seus mercados. Esta reorientação mobilizará o investimento requerido pelo desenvolvimento de fornecimentos para o próximo futuro.
Aos países extremamente dependentes que não possam pagar os encargos suplementares, não restará outra saída que não seja a de optar por energias alternativas: hídrica (se tiverem água), eólica (se tiverem vento) ou biomassa (se tiverem solo arável e água). E fazer um esforço heróico para conseguir manter operacional o seu parque de transportes.
Seremos obrigados a conjugar as várias fontes energéticas alternativas disponíveis, utilizá-las racionalmente e optar entre ambiente mais limpo ou manutenção do desenvolvimento económico. No equilíbrio das várias opções a tomar, residirá o bem-estar da civilização, tal como a conhecemos.
De uma consequência estamos certos: os custos associados ao cumprimento das exigências ambientais e aos investimentos a realizar nas novas eventuais descobertas de petróleo convencional, nas redes de oleodutos seguros e no desenvolvimento da tecnologia e processamento dos petróleos não-convencionais serão, inevitavelmente endossados aos consumidores.

Petróleo: Qual Crise?
J. Caleia Rodrigues
Hotel Tivoli, 28.Março.2006