sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Entrevista

“A OPEP já não tem razão de existir” A queda forte dos preços do petróleo este ano levantou muitas questões sobre a actuação da OPEP no controle desta desvalorização. Como é que chegámos a estes preços do petróleo? Quando o petróleo passou a ser abundante perdeu valor e o preço acompanhou essa perda de valor. O excesso de petróleo deve-se à reorientação da política energética dos EUA, com a entrada de Barack Obama. Quando Obama chegou ao poder, a produção dos EUA só correspondia a um terço do consumo e o país estava a importar cerca de mil milhões de dólares por dia só em petróleo. Obama tinha em mente a questão da dependência externa e as necessidades de importação e decidiu abrir a exploração em novas regiões do território norte-americano, nomeadamente no Ártico, na plataforma continental atlântica, no golfo do México e, internamente, com o chamado ‘shale oil’. Em quatro ou cinco anos, a produção passou a satisfazer metade das necessidades do país. No fim desta década, os EUA serão auto-suficientes em petróleo. Como consequência, o mercado passou a dispor de quantidades enormes que até então eram importadas pelos EUA. Também entraram novos ‘players’ no mercado? Sim e acabou-se com aquela falácia do pico do petróleo, em que se dizia que a matéria-prima estava a esgotar-se. Mesmo com essa declaração, que foi de uma empresa petrolífera e que influenciou muito o mercado, o consumo e a produção foram aumentando sempre. No ano passado referiu que com uma oferta superior à procura estávamos a entrar numa “bolha perigosa”. Já entrámos? Acabou a Guerra Fria mas o antagonismo EUA/Rússia mantem-se. Estamos a passar já por essa bolha. Há problemas geopolíticos de uma certa gravidade, o sistema financeiro está a passar um bocado mal com isso. Mas as consequências financeiras são enormes porque financiaram-se projectos a pensar que o petróleo poderia andar pelos 100 dólares, mas quando chega aos 20 dólares quem aplica capitais diz: “Parou!” Consequência: estão a ser suspensos imensos projectos. Há danos colaterais que não atingem só a Rússia, como é pretendido pelos EUA e pela Arábia Saudita, atingindo países que não têm nada a ver com isso e que se vão ver numa situação muito complicada. Que países? Os que não têm tecnologia e recursos financeiros próprios, como Angola, Brasil, Venezuela e até a Nigéria. Estes quatro países, pelo menos, avançaram com programas de financiamento externo e sem tecnologia, e estão numa situação muito difícil. Hoje não se pensa: “A quem é que vou arranjar petróleo”; mas sim: “A quem vou vender o petróleo que vou extrair?”. Muitos destes investimentos suspensos representam perdas para as empresas envolvidas? Já perderam o que aplicaram. Isto ainda não acabou. A pressão dos EUA e da Arábia Saudita sobre a Rússia não abrandou. Não sabemos o que é que isto vai dar porque a Rússia, e não só, precisava destes recursos para o programa social que estava a implementar. A extracção na Rússia é cara porque é em profundidade. Custa entre 50 e 60 dólares. Há uma guerra económica dentro da OPEP? A OPEP já não tem razão de existir, já não pode exercer pressão sobre o mercado. Qualquer pressão que tente não tem quaisquer resultados. Se pararem a produção, ou se fizerem outro embargo, como em 1973, os países estão todos garantidos. Os EUA hoje já se governam bem. Há os excedentes do Canadá que continuam a ser enviados para os EUA e do México também. E temos de começar a pensar numa nova realidade. É que os EUA vão começar a ser exportadores de petróleo. No fim desta década devem atingir a auto-suficiência e depois começam a exportar. E para onde é que vão exportar? Suponho que nós devíamos assumir essa situação. Não faz sentido que os EUA exportem para a China., faz sentido que exporte para a Europa. O continente europeu está a ser abastecido, quase a meio por meio, pela Rússia e Noruega. O que é natural é que se os EUA continuarem a querer fazer pressão sobre a Rússia vão ter na Europa o seu cliente natural. Voltando atrás, a OPEP vai ter de tomar uma posição para tentar estancar a queda dos preços? Há a questão da entrada do Irão. Foram levantadas as sanções ao país e quando começar a entrar com o seu produto no mercado, aí os preços podem cair. Os custos de exploração lá são tão baratos como na Arábia Saudita porque também é superficial. Tem das maiores reservas do mundo e tem feito um esforço extraordinário para ser uma alternativa à Rússia na Europa. E traz benefícios a países como Portugal porque traz mais diversificação de fontes. Até onde é que vai cair o preço do petróleo? Eu tenho vindo a dizer que o valor do petróleo não pode baixar dos 15-20 dólares. Sabemos que o valor actual do petróleo no Ocidente anda entre os 50-70 dólares. Mas não pode cair até aos níveis anteriores, porque aí começa a entrar no território dos sauditas e aí as coisas já começam a ser mais difíceis. Económico - 22.Jan.2016 Hugo Bragança Monteiro http://economico.sapo.pt/noticias/a-opep-ja-nao-tem-razao-de-existir_240405.html