segunda-feira, 15 de junho de 2009

Crise leva portugueses a levantar o pé do acelerador e a consumir menos petróleo. Mesmo assim, a factura em euros disparou em 2008.

Devido à crise, à seca e ao choque petrolífero, Portugal registou a terceira maior queda mundial no consumo de energia durante o ano passado, mostra um estudo da British Petroleum (BP). Os maiores apertos aconteceram no Turquemenistão e em Hong Kong. O consumo nacional de energia (maior parte dele petróleo importado) pode ter caído mais de 5%, mas a factura em euros continuou a crescer (mais 15%, segundo contas do i), roubando assim poder de compra às famílias e competitividade às empresas.
De acordo com a Revista Estatística de Energia Mundial da petrolífera britânica BP, a factura de Portugal com petróleo valia mais de 6,9 mil milhões de euros no final do ano passado. Este valor representa um aumento de 15% face a 2007 e um peso de 4,2% no Produto Interno Bruto (PIB), o nível mais alto desde 1985. Mas nesse ano a economia cresceu quase 3%, ao passo que em 2008 estagnou, acusando já uma recessão no final do ano. Desde a entrada na União Europeia (CEE em 1986) até às vésperas da actual crise, o peso médio da factura com petróleo foi de 2,4% do PIB, quase metade da de 2008.
Para António Costa e Silva, presidente da Partex Oil and Gas, a holding da Fundação Calouste Gulbenkian para a área da energia, significa que “não é tanto o preço do petróleo que comanda o consumo dos portugueses, mas antes o rendimento disponível”. “Enquanto as pessoas tiverem dinheiro não vão estar verdadeiramente interessadas em reduzir a despesa que fazem com combustíveis, procurando alternativas mais eficientes. Um país como Portugal, que tem as fragilidades estruturais na criação de riqueza que são conhecidas, tinha de reduzir obrigatoriamente muito mais o consumo para evitar o impacto dos choques petrolíferos e da volatilidade deste mercado”, refere. “Se não o fez em 2008, quando o petróleo chegou quase aos 150 dólares o barril, imagino que o país terá muita dificuldade em fazê-lo quando vier a retoma e uma nova subida dos preços das matérias primas”, lamenta. Os políticos são igualmente responsáveis por esta inércia, argumenta o responsável da Gulbenkian: “poucas medidas de eficiência energética anunciadas pelo governo passaram à prática e as que foram para o terreno estão a ter pouco ou nenhum impacto”.
Os especialistas argumentam que os portugueses – famílias e empresas – têm de fazer mais para poupar energia. Partilhar carro, usar veículos mais eficientes, organizar as cidades por dentro e por fora, apostar no comboio e nos transportes públicos, organizar a sua logística, construir edifícios mais inteligentes.
Luís Mira Amaral, ex-ministro da Indústria e da Energia, também considera que é o dinheiro na carteira de cada português que mais determina o que se gasta em petróleo: “É óbvio que é crise que está a reduzir a procura por energia. Mas antes desta crise Portugal já estava em crise e isso reflecte-se na falta de investimentos em eficiência e na falta de visão e de educação das pessoas relativamente a estes assuntos. Se sobra dinheiro, gasta-se, não se mudam comportamentos enraizados, o que explica o agravamento da factura”.

Bomba-relógio

E por quanto mais tempo podem os portugueses contar com o petróleo nos preços actuais?

“Quando a retoma chegar a sério, dentro de poucos meses, haverá procura suficiente que justificará preços cada vez mais altos do produto”, estima José Caleia Rodrigues, consultor em energia e autor de vários livros sobre petróleo. “Há vários factores que explicam a necessidade de preços mais altos: o petróleo que existe está cada vez mais longe e difícil trazer para cima, a crise representa uma dificuldade acrescida ao financiamento de tecnologias mais sofisticadas e caras, há falta de pessoas qualificadas nestas áreas. Hoje é tudo mais difícil para chegar à mesma quantidade de petróleo. E o difícil é caro.”
Esta tese é defendida pela própria BP. O presidente da companhia, Tony Howard, estima que o preço do crude terá de oscilar entre 60 a 90 dólares para sustentar o investimento que depois gerará oferta adicional para satisfazer a procura.
Em 2008, diz a BP, o comércio mundial de petróleo caiu quase 2%, a maior descida desde 1987 devido à forte retracção no consumo dos países mais ricos, onde Portugal está incluído.

Petróleo
• Representa quase dois terços da energia consumida em Portugal. Consumo caiu 5% em 2008
Gás
• Segunda maior fonte de energia (18% do total), teve uma subida de 9% para compensar a menor produção eléctrica das barragens
Hidroeléctrica
• Vale 7% do total. Como 2008 foi um ano seco, as barragens produziram menos 32% de electricidade
Carvão
• Terceira fonte mais importante (14%). Consumo caiu quase 5% devido a melhoramentos na central de Abrantes

Jornal i
12.Junho.2009
José Reis Ribeiro