quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Até quando vai a crise anular a alta dos preços do petróleo?

A recessão eclipsou quatro anos de subida do petróleo. Ao mesmo tempo, o mundo vira-se para energias alternativas. Mas a dependência da matéria-prima está longe do fim. E o preço baixo pode ser efémero e ter efeitos perversos.

Mudança verde de Obama não afasta cenário sombrio

O plano de investimento em infra-estruturas avançado esta semana por Barack Obama para reanimar a economia americana fez disparar o preço do petróleo e o valor em bolsa das petrolíferas. Mas a agenda de mudança do Presidente eleito dos EUA é outra. A aposta vai para a diminuição da dependência daquela matéria-prima, substituindo-a pelas energias renováveis. Mas é improvável que este esforço pelo maior consumidor de crude do mundo seja capaz de impedir o regresso do preço a níveis recorde.
Aos primeiros sinais de contaminação da crise financeira à economia mundial, a cotação do petróleo inverteu a tendência. Quando a palavra recessão passou a lugar comum no discurso de economistas e responsáveis políticos, a matéria-prima já perdera metade do seu valor. Hoje, mais de 100 dólares separam o preço actual do recorde registado em Julho, com os especuladores a desertarem e o mercado a ajustar à diminuição da procura.
Pela primeira vez desde o início dos anos 80 do século passado, ou seja, desde o último grande choque petrolífero, o consumo mundial de petróleo pode recuar em dois anos consecutivos. Num relatório ontem divulgado, o departamento norte-americano de Energia estimou uma quebra de 50 mil barris po dia em 2008 e de 450 mil em 2009 na procura global de petróleo. Em Novembro, a mesma fonte previu que só nos Estados Unidos a procura do “ouro negro” cairá 1,3% no próximo ano, depois de uma quebra estimada de 5,4% no final deste.
"Os preços do petróleo estão a descer pelas más razões: uma diminuição da procura, em consequência da redução da actividade económica. As boas razões seriam que a procura diminuísse por vontade dos consumidores ou pelo aumento da eficiência energética", considera Caleia Rodrigues, especialista e autor de vários livros sobre o petróleo.
É esse o rumo que o mundo agora procura. Obama fez das energias renováveis uma das bandeiras da campanha à Casa Branca. Prometeu libertar a nação da dependência dos combustíveis fósseis através da promoção de fontes alternativas, gastar 15 mil milhões de dólares em tecnologias limpas e criar cinco milhões de "empregos verdes" na próxima década. O futuro Presidente quer também assegurar que no final do seu primeiro mandato, 10% da electricidade consumida nos EUA venha de fontes renováveis como a eólica, solar e geotérmica, e colocar em circulação até 2015 um milhão de carros eléctricos, de preferência fabricados nos Estados Unidos.
Apesar de não ter divulgado ainda pormenores do plano de estímulo económico em preparação para aprovar logo quer tome posse a 20 de Janeiro do próximo ano, Obama confirmou segunda-feira que este pacote incluirá a política energética. O plano global de estímulo pode ascender a 700 mil milhões de dólares, incluirá o maior investimento público em infra-estruturas desde os anos 50 e, segundo estimaram defensores das tecnologias limpas ao “Wall Street Journal”, a componente “verde” pode representar 50 mil milhões ou ascender a 10% do plano global.
Para Caleia Rodrigues, é duvidoso que as energias renováveis sejam a solução. "As energias alternativas não resolvem o problema, não põem o mundo a funcionar". "A energia eléctrica, por exemplo, é viável para os transportes de vaivém diário entre as cidades e as periferias. Mas não para os transportes de longo curso e estes são indispensáveis para manter a globalização. Vão ser precisos mais combustíveis fósseis, a menos que se acabem os transportes internacionais e as trocas comerciais", advertiu.
A manter-se a dependência dos combustíveis fósseis, o preço actual do petróleo representa um risco elevado. "Esta situação é grave porque paralisa todo o investimento", afirma o especialista. Só com preços entre 60 e 70 dólares, os gestores podem considerar proporem aos accionistas a aposta em projectos de exploração petrolífera.
Se as coisas se mantiverem neste pé, "irá haver uma forte escassez de petróleo no mercado e os preços atingirão níveis exorbitantes", considera Caleia Rodrigues. O que levará a dois cenários: "quem puder pagar, pagará a qualquer preço; quem não puder pagar, terá graves situações sociais e de segurança interna", salienta.
“Isto é um drama. Está previsto que entre 2010 e 2012 haja uma escassez do produto no mercado se não houver novas descobertas e investimentos. A Agência Internacional de Energia diz que é preciso investir 150 mil milhões de dólares por ano em novas explorações”,
acrescenta o especialista.
Uma vez que ressurja a dinâmica da procura anterior à crise, descobriremos até onde podem subir os preços.

Jornal de Negócios
10.Dezembro.2008
Carla Pedro
António Larguesa