sábado, 20 de setembro de 2008

José Júlio Caleia Rodrigues é mestre em Economia Política. Editou os livros "Geopolítica do Petróleo - Anatomia dos conflitos" e, mais recentemente, "Petróleo - Qual Crise?"
A fatia dos consumos de petróleo para transportes vai continuar a aumentar - e o preço também, basta chegarmos à porta do Inverno. J. Caleia Rodrigues, mestre em Economia Política, explica os cenários da crise petrolífera no quotidiano do consumidor.
Depois de amanhã, a Deco vai comunicar formas de protesto contra o preço da gasolina. A subida dos preços é motivo para levar pessoas à rua?
É, claro. Isso pode acontecer. É causa que baste - e se as pessoas forem levadas a fazer isso, creio que o farão.

O preço do petróleo está a cair desde Julho, mas a gasolina não pára de aumentar. Esta é a altura mais indicada para protestar?
Eu esperaria até finais de Outubro, meados de Novembro. Aí, o petróleo fica sempre mais caro, é a altura das compras para o aquecimento. Protestar nessa altura, de um novo e previsível pico de preços, colheria mais argumentos, melhores. Um protesto que ocorra já não impedirá uma subida dos preços nessa altura.

A Autoridade da Concorrência está a fazer tudo para acompanhar o sector?
Não creio. É um sector muito complicado, muito pesado. A AdC não tem capacidade de intervenção, aqui não tem peso. Pode ser óptima noutros sectores, mas é uma entidade genérica. Aqui, pode produzir negociações e encontros, mas pouco mais.

O Estado, a mexer no mercado da gasolina, pode intervir em três cenários: reforçar a regulação sobre as petrolíferas; mexer nos impostos (IVA e ISP); ou regressar à fixação administrativa do preço. Vê mais hipóteses?
São, genericamente, essas três. Hoje, da minha perspectiva, o que o Estado pode fazer é mexer nos impostos. No resto não tem muita margem de manobra, porque envolve negociação com produtores. O mercado é livre e aberto, e um Governo, através do Estado, não pode penalizar produtores de sector nenhum. Nos impostos, e a questão é muito complexa, é que tem margem para mexer. Mas se o Estado arrecadar menos, terá também menos para aplicar nos seus cidadãos - se reduz imposto, reduz benefícios para os seus cidadãos. Depende do equilíbrio que queira ter, sendo que o Estado precisa de impostos para manter o estatuto e o estado social, e para sustentar a sua própria funcionalidade.

Que capacidade tem o Estado para negociar com as petrolíferas?
O seu poder negocial vem dos investimentos que fizer e permitir fazer em novas descobertas e extracções de petróleo. Veja o caso da Galp: deve remeter-se a ser intermediário refinador ou assumir o papel de um verdadeiro 'player' de extracção e distribuição? A Galp é um intermediário puro (compra, refina e vende), mas isso faz-nos ficar dependentes. Para ser um 'player' de mercado tem que capitalizar-se, internamente e externamente, e investir muito. E o retorno, pelas médias do mercado de extracção, só chega em 10, 12 anos.

A curto prazo vai haver escassez de petróleo. É preocupante para Portugal?
Há já taxas de esgotamento enormes, a curto prazo vai haver escassez a sério. Mas nós nunca passaremos por situações difíceis: primeiro porque, a nível global, somos um pequeno consumidor; e, depois, porque temos diversidade de fornecedores, temos abastecimento diplomaticamente garantido.

Onde devemos ter parceiros preferenciais: nos novos lençóis do Brasil ou na Venezuela, que tem a gasolina mais barata do Mundo?
Há muitos mercados ávidos de novos parceiros - isso nunca será problema. A qualidade da Venezuela é questionável, mas está ávida, como o Brasil está ávido, como está a Nigéria, a Rússia... O Brasil será sempre mais interessante, historicamente, culturalmente. O que é preciso é recursos e, depois, saber quem os paga.

José Manuel Gaspar