domingo, 11 de maio de 2008

Bruxelas anunciou ontem que a Europa vai crescer menos. O crude fixa um novo máximo. Portugal não escapa.
Há já alguns meses que o fantasma da recessão paira sobre os Estados Unidos e, indirectamente, sobre algumas economias europeias por causa da crise financeira que rebentou em Agosto. Mas com o petróleo acima dos 100 dólares ao longo de 2008, como já prevêem os analistas, o pior dos cenários ganha corpo no Velho Continente quando até agora parecia estar confinado à maior economia do mundo.
Portugal, o país mais pobre da moeda única e que recentemente tinha começado a dar sinais de um crescimento menos frágil, será dos que mais vai sofrer com a conjuntura adversa: o país está mal preparado para enfrentar uma subida do petróleo tão rápida como a que se tem verificado, para mais quando o euro alto deixou proteger a economia, afiançam os observadores ouvidos.
Altamente ineficientes no uso da energia (60% é desperdício) e dependentes do petróleo que importam (quase todo), os portugueses vão gastar ainda mais dinheiro quando encherem o depósito do carro, nas idas ao supermercado para comprar comida, nos transportes públicos e de mercadorias. Perfila-se, pois, mais um rombo nos orçamentos familiares e das empresas com impacto directo no nível de vida e no desenvolvimento económico de um país onde desemprego e endividamento excessivo são os denominadores comuns para quem faz contas à crise.
No médio prazo, serão os cofres do Estado e as empresas do sector energético os que mais vão ganhar com este choque petrolífero – mais receitas com gasolina, mais impostos.Este ano, as previsões dizem que a zona euro deverá crescer pouco acima de 2%, mas também este desempenho está por um fio porque o choque petrolífero veio para ficar e começará a causar estragos mais cedo ou mais tarde. É o que defende, por exemplo, James Williams, da consultora WTRG Economics, em entrevista ao Diário Económico.
Ontem mesmo, a Comissão Europeia teve necessidade de soar o alarme. Numa comunicação à imprensa, Amélia Torres, a porta-voz do comissário Joaquín Almunia, que tutela os Assuntos Económicos, disse que “se este nível de preços [do petróleo] se mantiver então terá um impacto na economia”, apesar do valor elevado do euro. À tarde, em entrevista à Bloomberg, o director da Agência Internacional da Energia, Nobuo Tanaka, atirou mais gasolina para a fogueira: se a China e Índia crescerem muito, o que não é de excluir, o barril de petróleo tem condições de chegar aos 150 dólares ainda este ano.
António Costa e Silva, presidente da Partex, a ‘holding’ da Fundação Gulbenkian para o sector do petróleo, não tem dúvidas: “O crude acima dos três dígitos vai ter impacto negativo notório sobre as economias”. “Coloca os Estados Unidos, o maior consumidor mundial, ainda mais perto da recessão e amplificará o contágio ao resto do mundo”, refere. Quanto à Europa, “não pode contar mais com a almofada do euro pois o ritmo de subida do crude está a ser rápido demais”, lembra o gestor que insistiu que na tese de que o custo do petróleo continuará a subir até um ponto em que a procura vai ter de recuar a sério, arrastando o consumo e o investimento das empresas.
Mas em 2008 é para subir e isso coloca Portugal em apuros. José Caleia Rodrigues, economista e consultor em questões de energia, repara que “nesta crise quem está pior é a Europa ocidental e, neste círculo, Portugal vai à frente pela sua dependência face ao petróleo estrangeiro e pela ineficiência nos usos que faz da energia”. O especialista concorda com os investimentos em fontes alternativas, mas concorda que “a dependência do país face ao petróleo é tão elevada que estas não podem ser a solução”. “Neste caso, faz sentido pensar na opção da energia nuclear”, atira.
Ouro chega a máximo histórico
Os metais preciosos e as matérias-primas continuam ao rubro nos mercados internacionais. Durante a sessão de ontem, a onça de ouro chegou aos 866,53 dólares, valor mais elevado desde que começou a ser negociada em Londres, em 1980. O ouro é um dos refúgios históricos dos investidores em tempos de crise e continua a ser impulsionado pela queda do dólar e pela subida dos preços energéticos. O cobre também ganhou 4% em Nova Iorque, enquanto que o níquel disparou 7,4% em Londres. Trigo, milho e soja são, por seu turno, as mais recentes vedetas entre os produtos agrícolas e integram a lista de activos preferidos das maiores casas de investimento para 2008. Estes cereais estão a ser animados pelo imposto de 20% decretado pelo Governo chinês sobre as exportações de trigo e de 5% sobre as exportações de milho e soja. Deste modo, o alqueire de milho continua a negociar perto de máximos de 11 anos, nos 4,68 dólares. No mesmo sentido, a soja para entrega em Março está nos 12,60 dólares o alqueire, depois de na quarta-feira ter atingido o nível mais elevado desde 1973.
O que dizem os empresários
Henrique Neto, Presidente do grupo Iberomolde “Em 2006 a nossa factura energética subiu 26%. A energia conta 10% para o custo do produto final”, refere. Mas o principal impacto vem da retracção da indústria dos plásticos, da qual o sector dos moldes está “muito dependente”.
Filipe de Botton, Director-geral da Logoplaste “Toda a indústria de embalagens é extremamente afectada pelo preço do petróleo, seja pela factura energética, seja porque o plástico é derivado do petróleo”, garante Botton. “O custo das matérias-primas da Logoplaste subiu 12% em 2007”, acrescenta.
Fernando Pinto, Presidente da TAP O preço do petróleo é a preocupação principal da TAP. “Em 2006 o ‘hedging’ [protecção financeira] protegia 30% do combustível”, diz Fernando Pinto. “Este ano “será certamente menos”. A solução passa por “voar mais para gastar mais. Isso dilui os custos”.
José Manuel Cerqueira, Director-geral da Revigrés “O petróleo afecta os transportes e, logo, os preços das matérias-primas e da distribuição”, revela o director da cerâmica. Acrescenta que não irá “passar o custo aos clientes” – dieta de custos é a solução.