quinta-feira, 24 de abril de 2008

Contracapa

Quanto petróleo existe no subsolo? Quanto poderá vir a ser possível extrair no futuro? Nunca ninguém soube ou terá a veleidade de tentar inventariar! Mas a delapidação dos recursos petrolíferos é preocupante.
Surgiram, entretanto, novos actores na cena internacional: a China e Índia, que comportam um terço da população mundial e estão dependentes do petróleo para dar continuidade aos seus programas de desenvolvimento. Estes novos consumidores gigantes sobrepuseram-se às economias industrializadas que foram relegadas para lugar secundário na ordem das prioridades a satisfazer.
Com a alteração do naipe de consumidores acabou por emergir a Rússia a liderar o mercado de abastecimento com os seus imensos recursos de gás e petróleo.
O Presidente russo anunciou em Janeiro de 2006 a imediata construção de um oleoduto com capacidade para transportar os 5 mil milhões de barris que irá entregar à China até 2030. Caminhamos para o esgotamento do petróleo convencional.
A alternativa pode estar nos petróleos pesados ou nos sintéticos a partir do carvão, já em produção comercial. Para quem os puder pagar!
O grande obstáculo à utilização maciça destes petróleos não-convencionais reside nos custos da extracção e do processamento. Ambos exigem um grande esforço financeiro de retorno a longo prazo. Sem esquecer as exigências ambientais.
Aos países extremamente dependentes que não os possam pagar não restará outra saída que não seja a de optar por energias alternativas: hídrica (se tiverem água), eólica (se tiverem vento) ou biomassa (se tiverem solo arável e água).
Seremos obrigados a conjugar as várias fontes energéticas disponíveis e utilizá-las racionalmente. No equilíbrio das várias opções a tomar, residirá o bem-estar da civilização tal como a conhecemos.
E a Europa? Continuará Unida em torno desta questão simultaneamente económica, política e social?

Prefácio

“Petróleo, Qual Crise?” é um livro de leitura e estudo obrigatórios para quem queira entender os desafios do presente que condicionam o nosso futuro. José Caleia Rodrigues, imprime, com mão de mestre, o resultado de anos de investigação aturada no terreno, em países estratégicos para a problemática do petróleo, primeiro em Angola e na Venezuela, em funções privadas, depois no desempenho exemplar das suas elevadas funções de Delegado do ICEP e de Conselheiro Comercial das Embaixadas de Portugal em Israel, Marrocos e na Africa do Sul. Apesar de absorvente, o seu trabalho era insuficiente para preencher o seu espírito de estudioso, atento e preocupado com o devir da Humanidade. Assim foi coligindo notas, vendo o que outros não viam, trabalhando, aturadamente e em silêncio, o politicamente incorrecto até o poder expor. Abre-nos, neste seu magnífico livro, o véu do seu imenso conhecimento sobre esta área fulcral para a Humanidade.
A sua mestria é visível ao longo das páginas, porque só escreve de uma forma tão clara e compreensível sobre temas tão difíceis e complexos quem domina completamente a matéria sobre a qual escreve. Este é um livro que todos poderão ler e entender sem esforço. Dirige-se a todos e não apenas à Comunidade Científica ou aos estudiosos deste tema. E bem, porque a procura de soluções para a ultrapassagem deste problema estrutural da escassez da fonte de energia que viabiliza o funcionamento da nossa Sociedade, como a conhecemos, diz respeito a todos e não apenas a uma comunidade restrita de pensadores. O que está em causa, como o autor permanentemente chama a atenção, não é uma crise que, por definição se resolve. É, pelo contrário, um problema estrutural de esgotamento de uma fonte de energia que é finita e que é a base que permite a vida como a conhecemos. Cada um de nós terá um papel fundamental na ultrapassagem deste grave problema porque, a menos que uma nova e barata forma de energia surja, o problema só se resolve com uma mudança radical do nosso modo de vida…de cada um de nós, qualquer que seja o nosso nível de riqueza. Como José Caleia Rodrigues tão bem deixa perceber no título que escolheu, definir a questão petrolífera como uma crise é uma forma perigosíssima de fazer adiar a procura das soluções que de há muito deveriam estar encontradas. A noção de crise é a de que algo grave provocou um desequilíbrio mas que esse desequilíbrio é passageiro. A palavra crise pode ser associada à de paixão: um sentimento muito forte, muito intenso, que provoca a concentração da atenção em um só ponto mas que, por definição, é de curta duração. Aqui o problema é o do consumo, em progressão exponencial, do recurso energético escasso que suporta o nosso modo de vida. O caminho para o esgotamento acelerou-se com o advento da globalização competitiva cujos valores dominantes da eficiência e competitividade ocuparam o lugar deixado vago pelas ideologias e em que a abertura à economia de mercado de países como a Índia, China, Paquistão e Rússia, com mais de um terço da população mundial e taxas de crescimento médio anual próximas dos dois dígitos criam uma pressão fortíssima quer sobre o consumo quer sobre o preço deste recurso energético. José Caleia Rodrigues, ao enunciar o carácter finito do petróleo fácil mostra o caminho para a tomada de consciência de que não só o petróleo é finito como o próprio Planeta é finito. O desígnio da nossa geração, único sustentável, é o de satisfazermos as nossas necessidades de hoje sem pormos em causa a possibilidade de as gerações futuras satisfazerem as suas necessidades amanhã, com qualidade de vida. Por isso, o autor, ao mesmo tempo que mostra as diferentes alternativas energéticas vai sempre chamando a atenção para as questões ecológicas e ambientais que resultariam de explorações in extremis como seriam, por exemplo, as do petróleo do Árctico.
Sem qualquer extremismo ou dogma, este livro é um livro sério, como o é, irrepreensivelmente, o seu autor. Caracteriza o problema, mostra as soluções possíveis, datando-as, isto é, mostrando sempre a sua precariedade ou consequências económicas, ambientais e geo-estratégicas. Não acredita, o autor, no apocalipse mas também não acredita, a menos que um avanço tecnológico decisivo aconteça, numa resolução do problema sem uma alteração substancial do nosso modo de vida, isto é, sem o contributo consciente de cada um de nós.
Este é um livro de características excepcionais, de leitura fácil, de equilíbrio, de esperança no bom-senso da Humanidade e de visão. Grandes razões para a sua leitura como o foram, disso estou certo, para a decisão de a promissora Booknomics o escolher como o seu primeiro livro editado.
António Neto da Silva
Lisboa, 3 de Abril de 2006


Índice

Introdução

Primeira Parte
Da origem utópica à petrodependência

1. Ameaças de natureza económica
Gestão dos recursos naturais
Conflito provocado pela escassez de recursos naturais
OPEP e a Petro-Jihad

2. Porquê o petróleo?
O imparável aumento do consumo
Desesperada procura internacional
Guerra aberta pelo domínio do petróleo do Médio Oriente
Reservas estratégicas

Segunda Parte
Do uso e abuso à inexorável disputa

3. A tomada de poder pela OPEP
O cartel das “sete irmãs”
A OPEP domina o mercado
Lançamento da “arma-petróleo”

4. Primeira deflagração da “arma-petróleo”
Novo factor de poder
As petro-finanças apoiam objectivos políticos
Primeiro embargo e consequente choque petrolífero
O poder devastador dos choques petrolíferos

5. Onde mora o poder?
O dilema americano
A União Europeia cada vez mais dependente
A importância da Noruega no xadrez mundial
Reconcentração das grandes petrolíferas
Rússia ou Arábia Saudita?

Terceira Parte
Das alternativas aos custos a suportar

6. Alternativas de compromisso
Para quando a exploração do Árctico?
Petróleo pesado
Combustíveis líquidos sintéticos
Gás natural: concorrente ou complementar?

7. Pontos quentes
Partilha dos recursos do Mar Cáspio
A encruzilhada afegã
Case study: Água na fogueira do conflito israelo-árabe

8. Constrangimentos a ultrapassar
Megainvestimentos requeridos
Insuficiente capacidade de refinação
Escoamento do produto: As petroestradas
Case study: Ponte energética Este-Oeste

Glossário
Bibliografia


INTRODUÇÃO

Quando ouvimos falar em crise de petróleo deparamo-nos com um perigoso equívoco.
Não parece que esta escassa e finita matéria-prima, ou mesmo o sector petrolífero, estejam a passar por uma crise que, por definição, é transitória. Nada que se possa comparar com boicotes, choques petrolíferos ou consequências de pontuais situações políticas vividas no passado.
Podemos e devemos encarar a situação como consequência natural da desenfreada intensificação e descontrolada massificação da utilização do petróleo bruto convencional, acompanhada por um demasiado longo período em que o investimento não acompanhou a taxa de crescimento da procura.
A explosão demográfica aliada à exigência de perpetuação dos altos níveis de vida conseguidos nos países ricos e à pretensão de os atingir, reclamada pelos países pobres, introduziram aberrantes pressões no fornecimento estabilizado e continuado dos recursos naturais à escala mundial. Estas pressões provêm tanto da privação como das dimensões ecológicas do drama populacional, igualmente importantes na nossa concepção do mundo como população global.
Os analistas são unânimes em concluir que a utilização dos recursos naturais aumentaram de forma exponencial. Grande parte dos recursos disponíveis e indispensáveis à manutenção do conjunto humano, continua a aumentar, em muitas regiões, em ritmo superior ao aumento populacional. Enquanto a população mundial aumentou três vezes e meia desde 1890, a energia industrial consumida per capita, apesar de desigualmente repartida, aumentou mais de sete vezes durante o mesmo período e a energia total consumida a nível mundial aumentou quase catorze vezes.
Estamos perante a emergência de um ciclo complexo. A taxa de natalidade tende a reduzir-se e a estabilizar em países economicamente desenvolvidos, ao mesmo tempo que se exige mais energia para que o nível de bem-estar se mantenha. Nas regiões economicamente menos desenvolvidas, o acréscimo de população faz aumentar a procura que rapidamente absorve a totalidade do adicional de energia e de riqueza conseguidas, consumidas na pura manutenção do nível corrente, exigindo-se, portanto, enormes quantidades de energia para atingir um acréscimo de desenvolvimento económico e de bem-estar.
Não poderemos mais invocar causas unicamente localizadas no cartel dos produtores, já que a história recente tem demonstrado que só são eficazes em determinadas condições conjunturais, se nos lembrarmos do que aconteceu noutros tempos, bem recentes, com o cobre, com o cimento ou com o cacau.
No entanto, o futuro dos países menos desenvolvidos tem constituído uma das mais preocupantes questões apresentadas na nossa era à economia política internacional, sendo entendido que a forma como esta matéria for resolvida, afectará, indubitavelmente, o futuro do nosso planeta. O intenso desejo da maioria da raça humana em escapar à debilitante pobreza e a juntar-se ao mundo economicamente desenvolvido, é objecto determinante da política internacional. Atingiu-se a passagem do século e ainda subsiste grande controvérsia quanto às causas, próximas ou remotas, e ao encontro de possíveis soluções para este confrangedor problema.
Não será demais sublinhar que um Estado se torna politicamente dependente, quando as suas estruturas e instituições de poder são controladas do exterior e economicamente dependente quando as suas exportações e as suas importações são necessárias para a sua sobrevivência.
Situação flagrante de dependência económica é a manifestada por numerosos países, na sua incessante busca de novas e mais seguras origens para a importação de matérias-primas energéticas, indispensáveis à manutenção do seu tecido social e económico.
De uma forma geral e agravante, as relações de natureza funcional entre tecnologia e poder económico, por um lado, e poder político e militar, por outro, viram-se gravemente perturbadas – até se poderia ir mais longe, dizendo que foram, parcialmente, destruídas – pelo uso recente da utilização do petróleo como arma política, já que a resolução da questão energética está intimamente relacionada com as transformações ocorridas na órbita da economia internacional. As rápidas actuações na cada vez maior procura de recursos naturais energéticos por parte dos consumidores internacionais provocaram uma alteração profunda em termos de dependência, conduzindo a economia industrial mundial a depender ainda mais das limitadas fontes de energia.
A energia assumiu uma posição dominante na extensa agenda política económica, demasiado rapidamente para que permitissem ser encontradas vias de estabilização. Não parece difícil admitir que, nas suas várias formas, apresenta-se como sinónimo de desenvolvimento económico e, ainda mais, de riqueza e prosperidade. Consequentemente, o acesso e controlo dos recursos energéticos constituem uma preocupação central dos governantes e de todos aqueles que se encontram envolvidos em processos de produção industrial.
Enquanto o Médio Oriente produziu em 2004, cerca de 31 por cento do petróleo mundial, consumiu apenas 7 por cento. Pelo contrário, o Japão, com enorme escassez de recursos energéticos, produziu cerca de 0,15 por cento do petróleo mundial e consumiu nada menos que 7 por cento. Ou seja, a quantidade consumida pelo Japão é idêntica à consumida pelo conjunto de todos os países do Médio Oriente. Com uma notável diferença: o petróleo consumido pelo Japão é importado e o do Médio Oriente é de recurso próprio.
Como corolário evidente destas contradições, o petróleo tornou-se mercadoria-chave do comércio internacional e quando os consumidores pretenderam voltar a dispor de abastecimento seguro não tiveram outra saída que não fosse a de criar condições sob as quais a “política petroleira” se pudesse desenvolver.
Na realidade, foi devido a esse processo que as políticas petroleiras foram colocadas no topo da agenda política mundial durante os anos 70 e 80. O que fizeram, reflecte a complexa interligação de tendências e acontecimentos em diferentes centros, envolvendo uma diversidade de agentes, tanto estatais, como não-estatais. Por outro lado, as grandes multinacionais petrolíferas, que durante tanto tempo tinham exercido uma dominante influência na indústria petrolífera, foram confrontadas, durante os anos 50 e 60, com a redução de receitas, quando o preço do petróleo desceu. Ao mesmo tempo, o crescendo de nacionalismos no antigamente chamado Terceiro Mundo influenciou a atitude dos Estados produtores de petróleo que começaram a exigir maiores receitas e mais eficaz controlo dos seus recursos petrolíferos. A principal manifestação deste desenvolvimento foi o colossal papel desempenhado pela associação dos maiores produtores exportadores, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), no embargo imposto em 1973.
Tornou-se, rapidamente, bem claro que a OPEP poderia começar a usar o seu reencontrado e renovado poder, actuando nos fornecimentos e nos preços, pondo em risco a segurança económica dos Estados industrialmente desenvolvidos. Poderiam, eventualmente, ter sido usadas políticas macroeconómicas para amortecer as consequências do choque provocado pelo aumento dos preços. Este, por se ter apresentado com tão grande dimensão, fez aumentar os factores de produção em todos os países importadores dependentes
Trinta anos depois do impacto da deflagração da crise de 1973 na política internacional, o petróleo mantém-se como produto estratégico crítico, na esfera do equilíbrio de poder e do equilíbrio político internacional global.
Surgiram, entretanto, novos actores na cena internacional com a emergência económica da China e da Índia que, apesar de consideradas economias em desenvolvimento, contam com um terço da população mundial e estão dependentes do petróleo para a implementação dos seus programas de desenvolvimento. Dada a dimensão dos mercados em jogo, estes grandes novos consumidores sobrepuseram-se às economias industrializadas que passaram a ficar relegadas para um lugar secundário na ordem de prioridades dos mercados dependentes.
Se surgiram novos grandes mercados consumidores dependentes, também surgiu a Rússia a disputar a liderança do mercado abastecedor, baseada nos seus imensos depósitos petrolíferos localizados no Árctico e na Sibéria Oriental, recentemente activados.
Em retrospectiva, os choques dos anos 70 podem ser vistos como o ponto alto do nacionalismo do petróleo. Foi a era em que a economia mundial estava suspensa dos comentários que os Ministros do petróleo deixavam correr nos bastidores das reuniões da OPEP e quando os erros do colonialismo pareciam ter sido correctos. Foi o princípio da “nova ordem internacional”, um “jogo de soma-zero” (game theory) que aspirava a uma redistribuição seriada, riqueza reencaminhada do Norte para o Sul e redução da estatura internacional dos Estados Unidos e das outras grandes potências industriais.
Muito destes acontecimentos já pertencem à história. Os países exportadores de petróleo aprenderam que precisavam mais dos importadores, do que os importadores poderiam precisar deles.
No ano 2003, a exportação de petróleo valeu 38,3 por cento do PIB da Arábia Saudita, 65,3 do PIB de Angola, 38,4 do PIB do Iraque e 96,6 do PIB da Guiné Equatorial. Mas só valeu 17 por cento do PIB da Rússia e 19,8 do PIB do Irão.
Pelo visto, não é demais sublinhar que grande parte dos principais abastecedores do mercado mundial de hidrocarbonetos estão tanto ou mais reféns das suas vendas de petróleo do que algumas das maiores economias industrializadas estão dependentes do seu abastecimento.
Estes desenvolvimentos conduzem a novos debates acerca do verdadeiro significado da segurança e que tipo de relações duráveis será agora possível entre consumidores e produtores, de modo a que possam, a longo prazo, vir a satisfazer os interesses de ambos. A Guerra do Golfo ilustra, igualmente, tanto o crítico posicionamento do petróleo no equilíbrio de poder global, como a importância da interdependência entre produtores e consumidores industrializados.
O consumo de energia apresentou um ligeiro decréscimo desde o início da década de 1980, em parte devido a medidas efectivas de conservação (especialmente na Europa e no Japão) mas também consequência do abrandamento do desenvolvimento económico verificado desde então. Dado que este último parâmetro, por razões óbvias, não se eterniza, e conscientes da possibilidade de novos choques petrolíferos em termos de acentuado agravamento dos preços de mercado e da imposição de reduções de fornecimento, será imprescindível encontrar novas fontes e novas formas de conservação de energia.
Note-se que o sector dos transportes (rodoviários, aéreos e marítimos) consumiu quase 60 por cento da produção mundial de petróleo, em 2003. Tem-se exercido um grande esforço para conseguir meios de transporte menos “glutões”, ao mesmo tempo que se têm desenvolvido as origens alternativas para geração de energia eléctrica, responsável por grande parte dos restantes 40 por cento.
Contudo, a delapidação dos recursos globais é excessivamente desigual e a distribuição dos recursos naturais vitais não é equitativa nem razoável.
As disponibilidades são abundantes, mas apresentam-se desigualmente distribuídas entre países e povos, mesmo dentro das suas próprias fronteiras políticas, estas raramente coincidentes com fronteiras naturais.
Enquanto o aumento do conjunto populacional do mundo economicamente menos desenvolvido induz consumo de recursos é, contudo, nos países economicamente desenvolvidos que se verifica maior delapidação. Os actuais padrões de produção e de distribuição vigentes nos países ditos industrializados, muito provavelmente não poderão continuar a ser mantidos por muito mais tempo e a tendência para a imitação por parte dos restantes irá causar irreparáveis danos ecológicos.
As estratégias a implementar a curto e a médio prazo obrigarão, inevitavelmente, à vivência de um longo e penoso período de transição. Transformações básicas poderão ter que ser implementadas na utilização dos recursos e na substituição dos recursos exauridos, simultaneamente com mudanças a introduzir a nível dos usos e costumes, quer sejam em base individual, de grupo, empresarial, social, regional ou até mesmo à escala do sistema internacional global.
Um grupo de pessimistas, composto maioritariamente por muito respeitados geólogos, físicos e financeiros, prevê uma espécie de apocalipse, seguindo uma teoria da conspiração ou afirmando peremptoriamente que a civilização, tal como a conhecemos, está atingindo um rápido fim. È esta a razão de ser dos pessimistas individualmente conservadores que se apresentam absolutamente terrificados com uma teoria bem defendida designada globalmente como “peak oil”. Ou seja, a produção mundial partiu de um baixo montante verificado na década de 1950, atingiu o seu máximo à volta do ano 2000 e atingiria de novo, um mínimo idêntico, à volta do ano 2050. Cerca do ano 2020 voltaria aos níveis de 1980, numa simetria de declínio matematicamente correcta, do seu ponto de vista.
Sem pessimismos exagerados, temos, porém, que aceitar um facto incontestável: o primeiro trilião de barris disponíveis desde as primeiras descobertas em Baku e na Pensilvânia, em finais do século XIX, foi consumido nos primeiros 125 anos e bastarão apenas 30 anos para consumir o segundo trilião.
É evidente que se trata de um produto finito que constitui uma origem de energia não renovável, mas um tal tipo de previsão a 50 anos nesta matéria mais parece profecia de apocalipse bíblico do que reflexão que considere todos os outros parâmetros de ordem económica, tecnológica e de investigação.
Efectivamente a situação criada pela delapidação dos recursos petrolíferos é preocupante. Basta reparar, apoiando-nos apenas nos grandes números, que a produção mundial anual de petróleo bruto convencional foi de quase 17 biliões de barris no ano de 1970, para atingir mais de 26 no ano 2004, correspondendo a um aumento anual de 50 por cento no curto espaço de 34 anos.
As previsões da Energy Information Administration (EIA) apontam para um consumo da ordem dos 43 biliões de barris em 2025. Mais 20 anos, mais 65 por cento.
Tendo em atenção que as reservas comprovadas do petróleo bruto convencional rondam os 1.200 biliões de barris, atingir-se-ia a sua extinção dentro de um curto espaço de 26 anos. Isto se o consumo mundial estagnasse e não se comprovassem mais reservas ainda em fase de análise. Mas não parece verosímil que se chegasse a atingir um consumo de tais quantidades a poucos anos da extinção do produto, dentro do quadro de reservas actualmente comprovadas.
Neste contexto, exige-se a prospecção e inventariação de novas bolsas tecnicamente possíveis de exploração e economicamente viáveis, nomeadamente ao nível do petróleo não-convencional constituído pelos betumes, xistos betuminosos, petróleos pesado e extra-pesado, disponíveis em grandes quantidade no Canadá e na Venezuela, ou mesmo a obtenção de combustíveis líquidos a partir da sintetização do carvão. O que exige um esforço financeiro verdadeiramente notável.
As opções tomadas em relação ao gás natural e à energia de origem nuclear não apresentaram, de início, perspectivas muito animadoras. A primeira devido às ligações de demasiada dependência entre o produtor e o consumidor, e a segunda pela dificuldade resultante dos elevados custos de instalação das infra-estruturas técnicas, enriquecimento do urânio e à exigência de enorme investimento inicial associado à reduzida dimensão dos mercados nacionais dos países menos desenvolvidos, sem poder esquecer o drama ambiental. A alternativa apresentada pelo carvão, também não se mostrou capaz de resolver todas as dificuldades enfrentadas pelos países dependentes, atendendo a que não contemplava todas as utilizações até então prestadas pelo petróleo, nomeadamente a de combustível líquido.
Porém, o tempo que foi de decorrendo e a exaustão dos recursos disponíveis forçaram à orientação para fontes energéticas até então relegadas para segundo plano de prioridades a accionar no sector petrolífero.
Comecemos pelo lote de constrangimentos com que este sector se debate e vejamos de seguida as opções que se apresentam disponíveis.
Uma das maiores dificuldades que a indústria petrolífera enfrenta na actualidade, está relacionada com o terrorismo internacional e com as acções dos activistas locais que ameaçam a actividade petrolífera em qualquer dos domínios da fileira: poços e plataformas de extracção, pipelines e vias marítimas de transporte, refinarias ou depósitos de produtos refinados.
O aumento de riscos sofridos por perturbadora ocorrência conjuntural levou muitas empresas a implementar o seu próprio sistema de defesa quando actuam em ambientes hostis e em que as forças de segurança locais são consideradas ineficazes. As petrolíferas deparam com riscos acrescidos quando se deslocam para regiões mais instáveis em busca de novos recursos. Tem sido largamente publicitado que os gestores das empresas têm que negociar com raptores e movimentos guerrilheiros em África e na América Latina, ou enfrentar a ameaça de ataques terroristas no Médio Oriente e na Ásia Central.
Podem adicionar-se a este tipo de ameaças os actos de pirataria no Estreito de Malaca, uma das mais importantes rotas marítimas de transporte de hidrocarbonetos.
No conjunto de constrangimentos a ultrapassar, procede, porém, a considerável questão de como conciliar o continuado aumento da utilização da energia de origem nos hidrocarbonetos com os imperativos ecológicos e ambientais. Caso paradigmático é o conflito de interessas inerentes à manifesta vontade de extracção dos imensos recursos disponíveis no Árctico ou a construção premente e urgente de novas e mais adequadas refinarias. Continua-se esperando pelo fim das situações ainda não resolvidas na partilha do Mar Cáspio e na encruzilhada vivida no Afeganistão, apenas possíveis de tratar na arena política internacional.
A questão dos oleodutos é fundamental. Numerosos países que dispõem de vastas reservas comprovadas estão impedidos de exportar as suas potenciais produções por não disporem das exigíveis fontes de escoamento, resolúvel pela simples implementação de oleodutos, a que se agrega, nalguns casos, instalações portuárias adequadas.
Em grande parte dos casos, os oleodutos ligam um ponto de produção a um mercado consumidor. Ponto a ponto. Qualquer acção terrorista num qualquer tramo do oleoduto, bloqueia completamente o fluxo de abastecimento. Esta situação poderá vir a ser resolvida com a implementação de uma rede primária interligada em malha (anéis), semelhante ao que foi concebido para a energia eléctrica, para que quando surja uma situação de bloqueio num oleoduto (ramal) seja possível a continuidade de fornecimento através da rede interligada. Os elevadíssimos custos a suportar têm impedido tal qualidade de garantia de abastecimento seguro e continuado.
No que se refere aos produtos disponíveis, ainda não globalmente desenvolvidos, destacam-se os petróleos não-convencionais e os combustíveis líquidos a partir da sintetização do carvão natural, uns e outros muito abundantes em reservas já comprovadas.
O grande óbice à utilização maciça dos petróleos não-convencionais reside nos custos de extracção e de processamento. No que se refere à sintetização do carvão os custos de processamento são elevadíssimos. Ambos exigem um grande esforço financeiro de retorno a longo prazo.
Recorde-se que o petróleo convencional (leve) a caminho de um rápido esgotamento dispõe de uma característica fundamental inultrapassável: existente num jazigo petrolífero sob pressão, jorra de um furo que atinge a bolsa que o contém, sem necessidade de grandes operações complementares para extracção e processamento ou de tecnologia específica. Daí o seu baixo custo operacional que, na maioria dos casos, se situa entre os 2 e os 10 dólares por barril. Enquanto o petróleo bruto convencional atinge taxas de “energia obtida/energia investida” de cerca de 30 para 1, o retorno nos betumes e petróleos pesados só atinge a taxa de 1,5 para 1. Conclui-se que é preciso gastar 20 vezes mais energia para gerar a mesma quantidade de petróleo não-convencional do que a gasta na obtenção do petróleo convencional.
A indústria petrolífera global, requererá muito mais elevados níveis de investimento do que durante o passado recente, para compatibilizar a satisfação da procura com as exigências ambientais.
A nova dimensão de segurança entre nações exportadoras e as empresas petrolíferas, surgirá da interligação do investimento, do comércio e da finança. Os produtores procurarão obter dos países consumidores: o capital, a tecnologia e a competência técnica, ao mesmo tempo que abastecerão os seus mercados. Esta reorientação mobilizará o investimento requerido pelo desenvolvimento de fornecimentos para o próximo futuro.
Seremos obrigados a conjugar as várias fontes energéticas alternativas disponíveis, utilizá-las racionalmente e optar por ambiente mais limpo ou manutenção do desenvolvimento económico. No equilíbrio das várias opções a tomar, residirá o bem-estar da civilização, tal como a conhecemos.
E os custos associados ao cumprimento das exigências ambientais e aos investimentos a realizar nas novas eventuais descobertas de petróleo convencional, nas redes de oleodutos seguros e no desenvolvimento da tecnologia e processamento dos petróleos não-convencionais serão, inevitavelmente repercutidos nos consumidores.