domingo, 2 de março de 2008
"Portugal poderá não conseguir suportar os custos do petróleo"
Porque o que assistimos hoje, sem olhar para a questão geopolítica, é a uma tendência para o esgotamento das reservas petrolíferas existentes no mundo e a um disparar do consumo, sobretudo nas economias emergentes.
Portanto, não há nenhuma crise. É uma situação estrutural que vai continuar. Além disso, houve um largo período em que não se fizeram grandes investimentos na área petrolífera, quer na área da refinação, que não cresceu sobretudo por problemas ambientais, quer em novas descobertas petrolíferas e no transporte, ou seja, em novos oleodutos. É preciso ver que há países que não exportam porque não têm um pipeline. Agora, para acompanhar o consumo, a indústria petrolífera vai precisar de fazer investimentos fabulosos e os consumidores vão pagá-los. Os preços nunca mais irão sofrer descidas significativas. Irão subir gradualmente e sem limite. Até porque quem tem recursos petrolíferos vai jogar com eles. E há os que querem vender o mais rapidamente possível, como é o caso de África. E outros, como a Arábia Saudita, que não têm pressas. Não. Isso não quer dizer que deixemos de ter petróleo nos próximos séculos. Quer dizer é que iremos pagá-lo bem caro. A barreira dos 100 dólares por barril poderá ser atingida muito rapidamente [na quinta-feira, o petróleo ultrapassou 70 dólares o barril, um novo recorde, por causa do agravar das tensões como Irão]. E quer dizer também que a Rússia e a Arábia Saudita, actuais líderes do mercado do petróleo bruto, vão ver os seus lugares ocupados no futuro pela Venezuela e pelo Canadá, que têm o petróleo pesado.
Do petróleo disponível no mundo, 30% é petróleo convencional, ou seja, o que consumimos hoje; 15% é petróleo pesado e 55% extrapesado. E a fatia de 15% está localizada, sobretudo, na Venezuela e no Canadá. Só que a extracção deste petróleo é muito mais cara. Na África ainda há algum petróleo por explorar, nomeadamente em Angola, Nigéria e São Tomé e Príncipe. É uma zona muito importante em termos estratégico para os EUA, porque está a 24 horas de barco. Mas as reservas existentes em África durarão mais umas décadas, enquanto o petróleo pesado do Canadá e da Venezuela dá para mais 200 anos. Depois, ainda há o petróleo leve do Árctico, mas a sua eventual exploração acarreta vários problemas, desde os ambientais aos técnicos. Num futuro próximo, os grandes players serão a Arábia Saudita e a Rússia, e depois a Venezuela e o Canadá. Nós não temos grandes recursos energéticos e temos uma economia débil, por isso devemos ter cautelas redobradas. Por um lado, porque estamos mais vulneráveis a um bloqueio nos fornecimentos, não tendo alternativas e uma elevada dependência do petróleo, e, por outro, porque podemos vir a não ter dinheiro para suportar o preço a que se vai chegar. O que me parece que aconteceu em Portugal foi que não houve investimento em áreas alternativas, nem tão-pouco na participação em blocos para garantir não só fornecimentos ao País mas também para ter mais-valias que nos permitissem compensar com ganhos do próprio petróleo os custos que vamos ter de suportar com ele.
Não. A UE não tem uma política comum em relação ao petróleo.
Mais de metade da sua vida profissional foi feita como gestor em empresas industriais em Portugal, Angola e Venezuela. Nestes dois últimos países, teve os primeiros contactos com o mundo do petróleo e os seus problemas. Mas foi como diplomata em Israel e na África do Sul que percebeu como se pode viver menos dependente dele. A experiência e o conhecimento levou-o a escrever em 2000 A Geopolítica do Petróleo, o primeiro livro sobre o assunto. Amanhã lança o segundo, Petróleo: Qual Crise?. Porque em sua opinião não há uma crise do petróleo, há problemas estruturais que vão fazer com que os preços subam "gradualmente, sem limite".
[17-04-2006] [ Ana Tomás Ribeiro, Diário de Notícias (on-line) ]
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