terça-feira, 4 de março de 2008

Crise? Qual crise? (Executive Digest, Junho.2006)

Crise? Qual crise?

José Caleia Rodrigues acaba de publicar o livro: «Petróleo: Qual Crise?» onde responde a algumas questões pertinentes sobre o futuro das nações que não têm recursos naturais de petróleo e que o têm de pagar.

Por: Pedro Costa Coelho

No momento em que o preço de petróleo sobe, semana após semana, e que a questão energética volta a estar na ordem do dia, quisemos saber algumas das ideias de um dos especialistas de geopolítica e energia sobre a suposta crise petrolífera e como teremos de enfrentar o futuro.

Quem vê pela primeira vez o seu livro depara-se com uma frase destacada em que diz «reveja a sua forma de vida». Como é que devemos rever a nossa forma de vida, estando tão dependentes do petróleo e aparentemente sem alternativas?
Essa frase vem na sequência de uma anterior: «China e Rússia estão a esmagar o orgulho Ocidental». Mas, claro, é uma frase de alerta. Nós somos «petro glutões», esbanjadores.
Apesar do que lhe vou dizer caber no domínio da sociologia, que não é o meu, julgo que faz sentido afirmar que se constituiu esta organização social porque o petróleo tinha um valor quase residual e as pessoas habituaram-se a consumir o petróleo de uma forma pouco racional.

Está a referir-se à nossa forma de vida, ao uso excessivo das viaturas particulares.
Sim, entre outras. Nós utilizamos o carro, nalguns casos as famílias utilizam até dois carros, porque nos habituámos a isso sem pensar muito. É que o consumo do petróleo reparte-se da seguinte forma: 60% para transportes e 40% para indústria e geração de energia eléctrica. Temos, portanto, que pensar em alternativas que nos façam poupar a factura diária e fazer um esforço muito grande pois andámos muitos anos sem tomar decisões atempadas e adequadas.

Curiosamente, ainda há pouco tempo, ouvi um dos especialistas nacionais sobre energia defender que as pessoas deveriam organizar-se em pequenas comunidades para que um só carro servisse para três ou quatro pessoas e assim se evitasse vermos carros apenas com um condutor. Parece-lhe viável, na forma em que a sociedade portuguesa urbana actual está organizada?
Pois, eu também já falei nesse assunto. Em tempos idos, por exemplo, tudo girava à volta de comunidades pequenas. Eu andava numa escola ao pé de casa e nunca ninguém me levava à escola, como é evidente. Inclusive instalavam-se locais de trabalho e bairros confinados a espaços delimitados para que a mobilidade fosse fácil e eficiente.
Depois entrou-se nesta fúria da construção deslocalizada e dos transportes de longa distância tendo com suporte o petróleo barato.

E isso é apenas à nossa escala, de Portugal. Quando se transporta o mesmo exemplo para o resto do mundo as coisas tomam uma proporção enorme.
Mas olhe que uma boa parte do mundo que dispõe de vultosos recursos petrolíferos vai viver muito bem. A outra, muito mal.

Essa é a questão que levanta no seu livro. Qual é a sua opinião, então?
A partir de 1962 a Europa deveria ter pensado que ou passava a ter «juízo» ou desaparecia do mapa. É que a Europa andou em guerras constantes a destruir o que tinha e o que não tinha e depois, a partir de 1962, com a Resolução da ONU sobre a “Soberania Permanente dos Recursos Naturais” ficou decidido o direito dos povos e das nações à soberania permanente sobre as suas riquezas naturais, incluindo o direito à nacionalização ou à expropriação, se constituísse interesse nacional e contribuísse para o bem-estar das suas populações.

Mas isso, em teoria, não está incorrecto…
Mas a Europa deveria, nessa altura e quando justamente concederam a independência política às nações ocupadas, ter entendido que se tinha acabado a tomada grátis dos recursos dos outros. E que se os quiserem têm de pagar. Esse foi o primeiro passo para esta situação.

Como é que se poderia ter equilibrado a questão política – as independências dos países – e a questão da localização geográfica dos recursos?
O que eu digo é que a partir dessa altura teríamos que assumir passar a viver com o que se tem e não com aquilo que os outros têm. Deveríamos ter organizado a vida nesse sentido.

Mas, por exemplo, os Estados Unidos apesar de terem recursos próprios também vivem dos tais recursos dos outros.
Os Estados Unidos, primeiro, são estados que se uniram. E que se uniram pela via da força. Não foi uma decisão de braço no ar. Mas os Estados Unidos dispunham de um forte mercado interno de bens de consumo e de recursos naturais. Porém, essas coisas esgotam-se e têm que ir à procura dos recursos dos outros.

A pagar…
Mas mesmo pagando-os têm que defender a compra. Analisemos o presente: há situações que vão com certeza conduzir a grandes alterações políticas. Quando eu escrevo aí na capa que «a China e a Rússia estão a esmagar o orgulho Ocidental» quero dizer que nós tivemos um período nos últimos 20 anos do século XX em que havia os «nic’s», os novos países industrializados. Agora, temos os «bric’s», ou seja, Brasil, Rússia, Índia e China que são os países emergentes do século XXI.

Sendo que a Índia e a China serão as próximas potências económicas daqui a muito pouco tempo…
Exacto. Os analistas dizem mesmo que a China será maior potência mundial dentro de 15 anos. Repare: a China tem uma população de mil e trezentos milhões de habitantes que nos últimos 20 anos cresceu 32%. A Índia tem, actualmente, mil e cem milhões de habitantes. Cresceu 57% em vinte anos.
Ora, a China que tem um deficit diário de 3 milhões de barris de petróleo, o que lhe está a estrangular a continuidade do crescimento económico, actualmente na ordem dos dois dígitos, quer continuar a crescer economicamente e precisa de superar esse constrangimento.

E como entra a Rússia?
Como se sabe, a Rússia e a China eram adversários ou inimigos políticos até há pouco tempo. Com esta nova classe política e depois de uma enorme e longa controvérsia no Parlamento russo, decidiram que o melhor era darem-se bem e assim surgiu a construção de um oleoduto para fornecer à China 2,5 milhões de barris diários com um ramal para uma ajuda suplementar ao Japão. Ou seja, a China passa a ter todos os ingredientes para assegurar o seu crescimento económico continuado.

É um oleoduto «politicamente» estratégico…
É um oleoduto com 4 mil quilómetros de extensão, cuja construção irá ser inaugurada no início deste Verão, que vai custar 17 biliões de dólares e que irá contribuir para fazer pender a balança da influência política e económica para o outro lado do planeta.

E os Estados Unidos de fora dessa balança…
Ainda sobre os Estados Unidos: eles estão a importar 9,5 milhões de barris por dia. Aos preços actuais atinge um valor de 665 milhões de dólares diários. Se acrescentarmos o custo da importação do gás natural, os Estados Unidos estão a importar hidrocarbonetos no valor de 700 milhões de dólares cada dia que passa.

E a Rússia a vender…
Pois é. A Rússia está a receber, por dia, 328 milhões de dólares pelas suas exportações de hidrocarbonetos.
Mas os Estados Unidos ainda têm outro problema, se assim se pode chamar. É que para assegurar a compra desses hidrocarbonetos no valor de 700 milhões de dólares, têm que manter uma poderosa força militar que proteja as origens das suas compras. O que deverá custar outro tanto. Enquanto a Rússia não gasta um cêntimo, pelo contrário. O oleoduto que a vai abastecer a China e o Japão é financiado por estes dois países e algumas multinacionais do sector.

É uma situação de desequilíbrio entre a Rússia e os Estados Unidos.
De desequilíbrio muito grande. Com a Rússia a permitir o desenvolvimento sustentado da China e, assim, com o eixo do poder a deslocar-se para a China e Rússia.

Em relação a Portugal e uma vez que não temos recursos naturais de petróleo, temos que investir nas chamadas energias renováveis? Estamos, nesse sentido, numa situação privilegiada?
Nós estamos numa posição muito boa pois temos água, sol e vento, e tudo mais ou menos de uma forma constante e equilibrada. Portanto, há que aproveitar e investir nessas energias renováveis e alternativas para que possamos reduzir a nossa factura do petróleo. Sobretudo na geração de energia eléctrica que pode ser obtida por recurso a outras origens energéticas.

E a energia nuclear? Não temos que equacionar essa hipótese?
Equacionar, talvez. Mas antes de mais temos que ter a preocupação de defender o ambiente global. Apesar de já existirem na Europa ocidental 146 unidades de energia nuclear, instaladas nos mais diversos países. Vejamos: grande parte dos materiais radioactivos têm sido acumulados no Árctico, nomeadamente os resultantes do desastre de Chernobyl, testes de bombas nucleares e consequências do reprocessamento das centrais nucleares europeias. A dimensão da espessura da calote de gelo do Árctico determinada pelos submarinos americanos em 1950 era de 3,1 metros. As observadas por satélite na década de 1990 indicam uma espessura média de apenas 1,8 metros. É demais. E perigoso.

E o petróleo que é explorado no Árctico?
Parece-me irreversível que os Estados Unidos e a Rússia continuem a extrair o petróleo do Árctico. Apesar das pressões ambientalistas.

Então o que podemos fazer, uma vez que a nuclear acarreta uma série de inconvenientes?
Devemos organizar a nossa vida de outra forma, de maneira a vivermos com o que temos. Esta dependência do petróleo tem que ser minimizada. Nós importamos cerca de 100 milhões de barris por ano. Com o barril a 70 dólares são 7 mil milhões de dólares anuais. De cada vez que o petróleo sobe dez dólares pagamos mais mil milhões de dólares. Até quando é que nós vamos conseguir poder pagar aumentos dessa ordem de grandeza?




Caixas

Que preço terá que atingir o barril de petróleo para que comecem a fluir os mega-investimentos requeridos pelo sector?

Perante a escassez de reservas comprovadas de petróleo bruto convencional e da capacidade de refinação disponível, é feito apelo a novo e substancial investimento no sector.
A não se realizarem investimentos de grande envergadura, envolvendo sectores a montante e a jusante, a produção mundial no ano 2020 será sensivelmente a mesma que se obtinha em 1980.
Porém, a população mundial atingirá quantidade aproximadamente dupla e muito mais industrializada, logo mais dependente do petróleo, do que em 1980. Portanto, a procura mundial por petróleo, ultrapassará largamente o seu ritmo de aumento de produção. Numa situação destas, os preços continuarão a subir incessantemente e as economias dependentes do petróleo para o seu desenvolvimento sustentado implodirão com os consequentes potenciais riscos de confrontações violentas.
Os efeitos consequentes de uma pequena quebra na produção produzem efeitos devastadores. Lembremo-nos que, durante os choques petrolíferos da década de 70, a redução da produção atingiu apenas os 5 por cento, causando a quadruplicação dos preços do petróleo convencional. Afortunadamente, a catapultagem desses preços foi temporária e passageira. Por isso foram chamados “choques”.
Segundo as estimativas de muitos analistas, o inevitável decréscimo de produção poderá atingir uma taxa de 8 por cento anuais, Outros até predizem reduções da ordem dos 10 a 13 por cento. Grande parte dos petrofísicos expressam a opinião de que o ano 2007 será o último ano da bonança do petróleo barato, o que conduzirá a uma maior escassez de combustíveis e a um severo aumento de bloqueamentos a começar entre 2008 e 2012.
As chamadas “alternativas” ao petróleo podem ser consideradas, de facto, actualmente como “derivativas”. Sem abundante e seguro abastecimento de petróleo, não parece ser possível alcançar estas alternativas em grau suficiente que energize rapidamente o mundo moderno.
Recordemos que, após uma primeira informação de possibilidade de existência de nova bolsa petrolífera, só as análises sísmicas que permitem determinar a estrutura dos jazigos (rochas-reservatório), quer em quantidade extraível quer em qualidade (densidade, taxas de enxofre, etc.), atingem encargos de não poucos milhões de dólares. Note-se que, actualmente, já se estão a realizar extracções a mais de 3 mil metros de profundidade.
A globalização da economia e a internacionalização das empresas, também poderá ter contribuído para o agravamento do consumo global de combustíveis, dado que os produtos percorrem grandes distâncias desde os locais de produção até chegarem aos mercados consumidores. Daí o recurso à deslocalização dos centros de produção para inserção em locais mais próximos dos consumidores finais.
À guisa do realce da urgência da implementação de novos desenvolvimentos, devemos salientar que são precisos, pelo menos, 12 anos desde a tomada de decisão até à obtenção de taxas correntes de produção a partir do petróleo pesado ou dos xistos betuminosos. Não considerando tempos de revisão do projecto para adaptação às constantes alterações das exigências ambientais a cumprir. Na mesma ordem de ideias, têm sido precisos 15 anos para a aprovação e construção de uma refinaria de processamento de petróleo pesado, mesmo tendo em conta um conhecimento tecnológico disponível e um perfeito respeito pelas normas ambientais. Apesar das esperanças postas no petróleo pesado e extra-pesado, deve ter-se em consideração que só apresentam soluções de satisfação a médio-prazo.

Insuficiente capacidade de refinação
O sector da indústria de refinação encontra-se em fase de transição, após ter sido sujeito a um longo período de redução real da sua capacidade.
O consumo manteve a tendência altista, ajudando a suportar o aumento do nível de actividade económica. O consumo aumentou, mas a capacidade de refinação viu-se reduzida. Constata-se, actualmente, uma crescente necessidade de capacidade adicional de refinação. Esta foi, pura e simplesmente, ajustada aos novos níveis de procura do produto que se seguiram aos choques dos preços e conduziram aos consequentes ajustamentos políticos e económicos.
As condições da indústria de refinação foram muito favoráveis durante vários anos. Durante os dois anos que se seguiram ao conflito do Golfo Pérsico, os custos foram facilmente previsíveis, dado que os preços do crude se mantiveram relativamente estáveis. Logo, quando os preços voltaram a cair, os custos do abastecimento baixaram e aumentaram as margens. Porém, a procura continuou a aumentar dinamizada pela expansão económica, particularmente nos países em desenvolvimento.
A indústria refinadora encontra-se perante a evidente necessidade de satisfazer as novas exigências do mercado e de encontrar adequadas localizações para novas instalações.
Dado que a construção de capacidade adicional exige elevados custos financeiros, é crítico que os planos de expansão cumpram a capacidade requerida e o tempo em que decorram.
A localização de novas unidades também apresenta questões críticas, tendo em atenção que grande parte das localizações consideradas adequadas estão sujeitas a regulamentações ambientais muito severas que as tornam muito onerosas e exigem muito tempo para conseguir alcançar a desejada e requerida capacidade adicional. Os maiores desafios continuam a estar situados no sector a jusante da cadeia produtiva. A crescente preocupação posta nas questões ambientais conduziram a uma proliferação de novas regras e regulamentações que exercem uma muito elevada pressão nas operações a jusante. Porém, o cumprimento das novas regras requer grandes investimentos. Acresce a necessidade de resposta à igualmente crescente procura de um conjunto muito diversificado de produtos refinados. É perfeitamente compreensível que o desenvolvimento do sector a jusante se tenha tornado muito difícil de perspectivar.
Espera-se que se operem, entretanto, alterações e ajustamentos significativos no sector a jusante. O aumento da procura choca com a particularidade das preocupações ambientais. A localização da necessária adicional capacidade de refinação que satisfaça o incessante aumento da procura, constituirá a maior preocupação no próximo futuro.
Saliente-se a preocupação dos Estados Unidos nesta matéria: o Presidente Bush anunciou em finais do passado mês de Abril a decisão de agilizar e facilitar o licenciamento de novas refinarias.


in Executive Digest
Junho.2006